Antologia
Todos os Poemas
Valdeck
Almeida de Jesus
Parte
19
Versões
atualizadas e outras nem tanto
Amar é bom
Dá saudade
Dá frio na barriga
Ajuda a viver
Sorrir e sofrer
Amar é bom
Passa o tempo
Faz a vida valer
Mas tem o ciúme
E tem a pirraça
E tem a dor
Amar é bom
Quando não se tem
Um grande amor.
Salvador, 07 de fevereiro de 2015
A interminável busca chega
ao fim. Cansado, desanimado, desesperançoso, joga a toalha e prepara a saída de
cena. Dias passam pesados: adeus!
Salvador, 15 de fevereiro de
2015
Fui ver o carnaval
onde ele não passava
Ribeira, Bomfim,
Ponta de Humaitá,
Penha, Massaranduba,
Calçada, Liberdade...
Vi pontos cheios
gente esperando ônibus,
sujeira nas ruas
e ninguém limpando
ou multando a prefeitura;
carro parado
na pista da bicicleta,
semáforo sendo invadido,
policiamento ausente...
Mas no Centro, ouço falar,
a folia rola solta...
Salvador, 15 de fevereiro de 2015
Síndrome do
"é isso?"
Parece que tudo o mais
Dicionário de burguês,
falar diário de otário,
matutês ou baianês,
língua de sinais,
língua do "P"
e outros tais,
tudo isso
e muito mais,
agora ficou pra trás...
O que é moda,
e me incomoda,
é a falta de opção.
Que me perdoe
a Cecília,
não rezo nessa cartilha,
não sigo essa matilha,
da falta do que falar,
eu prefiro me calar,
não gosto dessa manada
é melhor não falar nada,
que ficar a repetir
em cada final de frase,
o "é isso?" sem
parar...
VAL - Salvador, 19.02.2015
Nunca
matei...
Aliás, ainda não.
Nem de faca
nem de tiro
nem de fone.
Ainda não matei
nem mulher
nem homem
não matei de coice
nem de enxada
nem de foice.
Mas tenho direito
de matar o primeiro
mesmo que não seja
um crime perfeito
Vou matar de raiva
e por omissão
mato de pirraça
e de inanição
toda a maldade
do teu coração
Salvador, 25 de fevereiro de 2015
Cheguei ao topo
Não posso mais
me misturar
com qualquer um
Não aceito convite
nem vou por aí
a qualquer encontro
a qualquer sarau
Tenho vergonha
de certos poetas
certas poetisas
que não se valorizam
e se rebaixam
por qualquer migalha
ou por necessidade
desses que se vendem
não se respeitam
nem respeitam a mim...
Cheguei ao topo
e ao mais valioso lugar
onde reino com soberania
Sou teu vício, tua vida,
Eu sou a poesia...
Salvador, 03 de março de 2015
Sou o absurdo
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
O grito revolucionário
Quebro paradigmas
Destruo modelos
Estraçalho símbolos
Em contrapartida
Aponto o horizonte
Sempre mutável
A inconstância da vida
O jogo de luz e sombra
Uma armadilha
Certinha ou padronizada
Louca ou transtornada...
O caminho se abre
Diante de ti
Escolha a direção
Caia no abismo
Se jogue no precipício
Viva e sobreviva
A luta vã
De permanecer
Morrem fortes
Morrem fracos
Ricos e pobres
Mandatários
Submissos
E a vida permanece
Com regulamentos e regimentos
Debatidos, escritos,
Votados, respeitados,
Aprovados, contestados,
Refeitos, submetidos
Ao debate outra vez
E a inconstância da vida
Em sua eterna labuta
Refaz as regras
E nós, meros fantoches,
Seguimos a lida
Na eterna ciranda
De atração e repulsa
Até o infinito que acaba hoje
E recomeça amanhã
Na interminável onda
Do ir e vir
Sem sentido e sem motivo
Até eu cerrar meus olhos
E apagar da mente
O mundo que criei
Salvador, 05 de março de 2015
Liberto-me
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
quando me revolto
contra os arquétipos
os padrões
os politicamente corretos
Liberto-me
quando assumo
minha insignificância
diante da vida
do palco armado da vida
e me angustio
porque me ajoelho
diante de novas regras
oriundas de minhas escolhas...
Angustio-me
quando derrubo um muro
e ergo uma muralha
diante de mim...
Clínica de Recuperação Evangelho
Eterno
Lauro de Freitas, 10 de março de
2015
Família:
infinitas possibilidades
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Ele criou o homem e a mulher
E ambos criaram o resto
Homem adota filho
Mulher adota filha
Possibilidades aumentadas
Não só reprodução
Encherem fazendas
Lotaram cidades
Todos os gêneros
Todas as afetividades
Pai e mãe biológicos
Pai e mãe de coração
Pai e pai de aluguel
Mãe e mãe de amor fiel
Todas as diversidades
Adoção e inseminação
A família agora é outra
Tem amor e afeição
Deus viu que era bom
Manteve a sugestão
“Crescei e multiplicai-vos”
Sussuarana, 22 de março de 2015
Esvaí-me em
esperma
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Derramei seiva por aí
Escorri esperma pelas unhas
Pelos olhos, ouvidos e pelos
Fiquei grudento e pegajoso
Escorreguei no rio de gala
Sujei tudo, melei, lambuzei
Senti o cheiro almiscarado
Cabelos grudados
Derramei, sim, esperma
pelas pernas, orelhas,
vomitei esperma
mijei esperma
falei esperma
espalhei sementes
criei gente nojenta
enchi o mundo
com um povo imundo
fiz pessoas aos montes
desapareci na poeira da vida
e sequei a fonte
Salvador, 10 de março de 2015
Me incomodo com o fungado do
imbecil
A dissimulação do outro imbecil
O cochichar pelos cantos dos três
imbecis
O tilintar das colheres nos
pratos
O passar em frente a mim
Simplesmente me dirigir a palavra
O entrar e sair do banheiro
O chegar da escola com a cara
emburrada
O mastigar, o beber água ou leite
Encostado na parede da cozinha
O silêncio fingido...
Salvador, 12 de março de 2015
A doida e o Imposto de Renda
Ela se aproximou
do ponto de ônibus
todos se afastaram
tamparam o nariz
com cara de nojo
Em minha direção
ela não se chocou
apenas por um triz
e seguiu em frente
sem incomodar
sem insistir
enquanto eu pensava
em obrigação
pilhas de contas
vários boletos
códigos de barra
e vários impostos
e a doida seguiu
sem mesmo saber
o que é imposto de renda...
Salvador, 24 de março de 2015
Matei uma
égua atropelada
Ela era adestrada
de apartamento
em cubículo amestrada
todo o espaço era dela
fosse mula, jega ou cadela
na rua, na praça,
sai da frente, desgraça
matei atropelada
numa curva
numa ciclovia
estava na contramão
veio em minha direção
tentei afugentar
me deu uma patada
quase fui mordido
pela desgraçada
não sofri sequela
a morte foi só dela...
29 de março de 2015
Ciclovia Parque Pituaçu
Fuga do Amor
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
O medo da perda
solidão abandono
tristeza falta
saudade desafeto
adeus até nunca
distância ausência
desconforto insegurança
afeto rejeição
me atormenta
nos amores que se vão
ou nos que nem deixo chegar
desajuste emocional
ou medo de me dar mal
me plantam aqui
nesse deserto afetivo
Salvador, 07 de abril de 2015
Uma hora dessas ele para;
desistir nem sempre significa perder o jogo; adiar uma partida, entrar no
segundo tempo, pode ser naquele momento do gol certeiro... Muita água rola,
muita poeira cega; e eu, correndo atrás do próprio rabo, esqueço de viver.
Desejo camarões secos, crus, uma pinga na bodega da esquina, mas a
(ir)responsabilidade me freia e fico sem sorrir, sem gargalhar porque pisei na
merda; choro sem lágrimas e me enclausuro, em nome de uma moral de bosta,
enquanto os quatis e as hienas se lambuzam de sangue de suas vítimas. Acordo,
não estava sonhando, não estava dormindo, tampouco, tudo não passava de uma
alucinação após doses maciças de burrice que injetei em meu braço esquerdo,
justamente o que me sustentava quando eu sentava no vaso sanitário pra fazer o
que mais sei na vida: muita e muita merda. Mas o dia ainda não acabou e ainda
terei chance de reverter a situação. Agora é tempo de vomitar.
Salvador, 09 de abril de 2015
Valdeck Almeida de Jesus
Não tenho
medo de Deus
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Não fico amedrontado
Não me intimido
Não me atemorizo
Não me acovardo
Não me preocupo
Não tenho temor
Não fico alarmado
Não fico receoso
Não fico temeroso
Deus é energia
É força, utopia
Deus é sonho
É medonho
Imenso, incomensurável
Deus é mil, é miserável
Deus é tudo
Não tenho medo de nada
Não tenho medo de tudo
Sou Deus, sou agulha
Sou Deus, sua fagulha
Sou a fábula de Deus
Sou onisciência,
Onipresença
Onipotência
Não tenho medo de mim...
Salvador, 10 de abril de 2015
No
princípio era o número
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
"A matemática foi a linguagem que Deus usou
para escrever o universo" Galileu Galilei
cálculo medida
estimativa avaliação
balanço contagem
balancete computação
matemática álgebra
disciplina conjetura
hipótese pressuposição
conta cômputo
contabilidade suposição
alcance grau
medida conceito
nota equilíbrio
prudência avaliação
limite termo medição
norma regra ajuste
proporção estimativa
teste exame aferição
comensurar comparar
peso adequação competência
proporcionalidade
cômputo cálculo calibração
quantia quantidade
conferência resenha
álgebra ciência
física química matemática
biologia física quântica
alcance peso medida
equilíbrio profundidade
altura infinito astronomia
estrela universo constelação
binário enésimo trigonometria
somar subtrair dividir multiplicação
dízima periódica dízimo periódico
dívida pagamento expiação
pai filho espírito santo
alfa ômega princípio meio e fim
e a eternidade calcula soma diminui
multiplica divide e continua
trigonometria telemetria
geometria fractal
sequência de fibonacci
universo verso da criação
no começo tudo era número
e para sempre matemática
matemática pura ciência
deus é cálculo binário
deus é computação
e o verbo se fez carne
Salvador, 10 de abril de 2015
Na minha
contagem, pra eu ficar independente e montar um negócio próprio, preciso que me
doem 500 milhões de dólares. Pelas contas dos organizadores, serão 400 milhões
e, pela contagem oficial, pode ser 300 milhões. Quem dá mais, quem dá mais???
INBOX eu mando o número da conta. Não tem direito a abater impostos...
Eu te traí
Cada vez que me traí
ouvindo as músicas
que você gostava
traí quando dormi cedo
por medo de te incomodar
eu te traí
quando fui a festas
deixei minha seresta
pisei na areia da praia
tostei a pele ao sol
quando dormi sozinho
soltei meus passarinhos
comi pouco, não cantei
pra não ficar rouco
e não te incomodar
eu te traí
quando menti
que ainda te amava
só pra te agradar
eu te traí
quando não terminei tudo
e ainda me iludo
e penso em te trair
querendo a ti voltar
eu te traí
quando traí minha confiança
fingindo querer ainda
por medo da solidão
e insisti na mesma cama
mesmo sem mais tesão
Salvador, 15 de abril de 2015
Ninguém muda
ninguém
Essência
defeito ou qualidade
de nascença
ninguém muda ninguém
ou aceita ou guerreia
bate de frente
luta em vão
quer transformar
quer lapidar
tudo em vão
defeito ou qualidade
de nascença
ninguém muda ninguém
Salvador, 16 de abril de 2015
Valdeck Almeida de Jesus
Você é lixo
não reciclável
Você não é lixo reciclável
“O homem morre pela primeira vez
quando perde o entusiasmo” Honoré de Balzac
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
A instituição é tudo meta
a instituição é tudo número
a instituição é resultado
não respeita o teu limite
chama de senil
tua experiência
te discrimina
pela tua diferença
denomina de “bolota” teu
sobrepeso
afirma “você não é burro”
sobre tua memória falha...
a instituição não te respeita
quer acelerar
quer correr e disparar
não se importam
se tua velocidade
agora é devagar
aumenta tua carga horária
corta a hora do lanche
diz que teu feriado
fim de semana e aniversário
é dia útil de trabalho
ela quer te matar
ameaça transferir
ameaça demitir
não quer nem saber
que tua vida tem limite
diz que você é forte
não se importa com tua sorte
não se importa com tua morte
Salvador, 17 de abril de 2015
Des(equilíbro)
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
quebrar a cara
cair na lama
mijar na cama
sem ter aplauso
sem ter a fama
nem aprovação
gente equilibrada
abarrota estante
não perde o tino
nem por um instante
quero o zumbido
no meu ouvido
zanzar na noite
sofrer açoite
não ter certeza
sofrer vileza
sentir o vento
na minha fronte
falar com o tempo
beijar o monte
falar bobagem
beber aragem
viver sem regra
morrer à margem
Salvador, 19 de abril de 2015
Como se fosse a primeira vez
Viagem marcada e passagem
adquirida, resolvi arrumar a mala um dia antes da partida. Na segunda-feira, 27
de abril de 2015, saí cedo para o aeroporto, para o voo que partiria às 11hs.
Levei Silvinha comigo, que ficou no Shopping da Bahia, pra tentar desbloquear o
notebook que comprei na noite anterior. Após quase uma hora no telefone,
seguindo instruções do vendedor, finalmente consegui acessar o computador, já
quase na hora do embarque. Aproveitei para entrar na internet e deixar
mensagens para os amigos. Sorte estar com tudo ok, numa manhã de temporal que
parou a cidade.
Ao desembarcar no Rio de Janeiro,
para a conexão que me levaria a Paris e, depois, Genebra, me lembrei que o
casaco eu tinha despachado na bagagem que iria até o destino final. Ainda no
check-in, em Salvador, esqueci a carteira de identidade com a atendente, que
correu atrás de mim para me devolver o documento. No Rio, comprei um casaquinho
bem caro, bem simples, para tentar aguentar o frio da viagem. Perto da hora de
embarcar, me lembrei que não havia comprado Euros. Encontrei uma loja aberta e
reparei a falha a tempo.
A viagem transcorreu ótima, com
almoço e janta servidos na aeronave da Air France. Só o medo de estar no mesmo
voo AF443 que desapareceu no fundo do mar na mesma travessia do Brasil para a
Europa, me assaltava o coração a cada instante. Mas o cansaço e a tensão
venceram e dormi metade do trajeto. Em Paris, a imigração fez checagem prévia
na saída do avião e, no balcão, o funcionário apenas respondeu ao meu “Bon
Jour”, carimbou o passaporte e me devolve, sem nem me olhar no rosto. O Charles
de Gaulle é imenso, mas muito bem organizado e sinalizado. Não demorei nada
para encontrar a entrada para o novo embarque e passei o tempo acessando
internet gratuita. Na chamada para o voo, fui direto ao portão que dava acesso
ao ônibus que me levou até a aeronave. Nos menos de cinco metros entre o aeroporto
e o veículo, senti o frio de cinco graus tentar me tirar do sério. Resisti
firme e não usei o casaco novo, só o fazendo na chegada a Genebra.
Na Suíça foi festa logo no
desembarque. Minha amiga Ignez Cidade-Agra estava à minha espera e trocamos
sorrisos, abraços, conversas rápidas de reencontro. Comprei o tíquete do
transporte, para usar nos dias de estadia na cidade, pegamos o trem e fomos
direto à Gare Cornavin, no Centro, de onde pegamos o tramo 12 até a casa de
Ignez. Lá, comi, brinquei, entreguei um pacote de paçoca de amendoim que ela
tinha me encomendado, o que lhe abriu um enorme sorriso e os braços para um
apertado abraço. Depois de um merecido descanso e acesso à internet para mandar
notícias ao Brasil, fomos ao restaurante “Puro Gusto” comer uns petiscos e
botar a saudade em dias: berinjela gratinada, pão, café, sorvete, volta pra
casa, novo descanso, mais conversa, mais internet e cama, sob o frio cortante,
não sem antes tomar um banho quente e merendar banana d’água.
Só pra lembrar o esforço,
arranhei um francês no avião de Paris a Genebra, pedindo um “jus d’orange” para
a atendente. Minha má sorte é que viajei entre um casal de velhinhos que
peidava a cada dois minutos, alternadamente, para não me deixar respirar ar
puro nem por um instante. Mas nem tudo é perfeito em Paris...
Mulher do mato
Essência
Raiz
Natureza – Natural
Verdade
Sentimento
Simplicidade
Confiança
Realidade
Sense
Sans
Aquerela
Simbiose
Útero
Nascimento
Maternidade
Universal
Mater
Mãe
Vida é alimentar
e suprir de arte
o que não tem alma
Berna, 01 de maio de 2015
“Live a life. You will remember”
Going back and forth to anywhere
is not to live
Work hard for food is not to live
Studying with purpose to get a
degree is not to live
Get married in order to have
children is not to live
Earning money enough to lose a
life is not to live
Live is wake up in the morning as
it were the first and the last day in a lifetime
Let’s live life and live in
freedom
Aeroporto Charles Degaule, voo
Paris para Rio de Janeiro
05 de maio de 2015
Lost in Suisse, Genève
I really need to get lost at any
place over Europe
Here or there is the right way to
go back and forth, and to meet who you don’t want to
Ok, that’s seems like badness,
but, who are not confuse with all the things together, and everything working
as a machine? Never fault, never fail…
After dinner with friends, one of
them was also away home and she said she was going to help me do find my way to
get the bus. But she was as lost as me. Two Afro-American helped me:
• Take this
tram, get out at Gare Cornavin, then take bus number eight till River Station,
there you get tram twelve till Mollesulaz station.
That’s what I did. I arrived at
home at 22:30h, but could not get in the house, because my hoster closed the
door with a key I had not, and she forget me outside. So, I tried several times
to wake her, by ringing the bell, unfortunately without success.
All I could do was waiting. I sat
down the corridor, and wait for some sign of her walking from the bed-room to
WC, but nothing happened. I decided wait more, and two hours later her son came
from some party, and met me there. So, I could enter and go to sleep…
Genève, April, 30th,
2015
Cidade Agra
Mais que um porto, uma ancoragem
Além de mãe, amiga e professora
Guia, bússola, couching...
Ígnea, acesa, elétrica, viva
Sobretudo, viva
Ativa, disposta, disponível
Forte, vivaz, professoral
Para além dos adjetivos
Companheira, perspicaz,
Se antecipa sem invadir
Auxilia sem interferir
Cidade, mais que cidade,
Sentimento de pertencimento
Língua, história, geografia,
Cultura e raiz
Air France 1043 – Genebra-Paris
(Charles de Gaulle)
05 de maio de 2015
Morte anunciada
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Primeiro sucateia
Gerência de pessoas
Não sabe o que é RH
E Recursos Humanos
É apenas mão de obra
“Se vire com o que tem”
Para cumprir a meta
Não vê as frustrações
Não vê potencial
Não vê as competências
Só vê meta final
E se alguém se mata
Se enche de cachaça
Se vai usar uma droga
É apenas uma fraqueza
Muda de setor
Lhe trata com aspereza
Se morre, tem mais um
E age com destreza
Não bota no jornal
Pra não causar tristeza
Salvador, 08 de maio de 2015
O Poeta e a Imortalidade
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Fama nas letras
ou na cama
vida insossa
vida em chama
uma hora parte
pra uma melhor
pra uma pior...
imortal agora
por uma hora
quinze minutos
ou absoluto...
e o pedestal
do ex defunto
é disputado
novo imortal
é nomeado
até que a morte
não se demore...
Salvador, 14 de maio de 2015
Só-frência
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
De mão em mão
Vou fazendo amor
Sentindo falta
Sentindo dor
Amando aos montes
Na minha casa
Ou sob as pontes...
Amando amores
Guardando dores
Gente invisível
Também de cores
Amando ausência
E na sofrência
Não tem ciúmes
Pois quem eu amo
Nem mesmo sabe
Um dia alguns
Outro nenhuns
De mão em mão
Amo silêncio
Amo paixão
Salvador, 17 de maio de 2015
Jesus não vai voltar
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Ele desce do morro,
da maloca,
sai da quebrada,
sai da favela,
de uma toca ou da viela,
deixa o papelão,
lençol ou cobertor,
enrolado a um canto, no chão,
leva marmita, pega buzão,
na mochila um sonho,
uma utopia, plano de vida,
trabalhar o dia inteiro,
por um prato de ração,
honesto ou desonesto,
circunstância da lida,
num "corre" louco,
sobrevivência,
sem tempo ao menos,
de criticar, sua vivência,
nem sempre volta,
nem sempre morre,
ou é bala perdida,
ou deu um mole,
estômago vazio,
no pé da barriga
aquele frio...
sub vivência,
pior que morte
e ter má sorte,
é violência,
se volta ao morro,
se volta ou morre,
ninguém se importa,
ninguém socorre,
tem mais Jesus,
pra por na cruz,
Jesus não volta,
favela chora,
e faz revolta,
depois tem mais,
morre mais um,
e a cada dia,
a sinfonia,
matando negro,
matando pobre,
pra que não sobre,
no chão da vida,
nenhum guerreiro,
nem testemunha,
Jesus não volta,
e a revolta
se faz de novo,
até que um dia,
sai alforria,
e vem pra fora,
mesmo na tora,
cada Jesus
que vai lutar,
que vai brigar,
e vai honrar
o sangue negro,
do meu degredo,
e cada um,
será herói
com toda glória,
mudando a história,
desse país,
dessa nação...
Salvador, 06 de junho de 2015
Gosto disso... da linguagem, do conceito e da
forma. Você está escrevendo muito!
O convívio com a diversidade dos vários saraus que acontecem em Salvador e os
universos que eles encerram, como o Sarau da Onça e o Grupo Ágape e o “Fala
Escritor“ lhe fazem bem, esse convívio lhe abre o criativo e a percepção do
entorno. Seu texto tem pertencimento com o que acontece à sua volta você é um
CAMALEÃO Valdeck Almeida De Jesus e não tem
volta, sua poesia é o momento que você percebe, o que está ali... acontecendo e
que indigna sua alma. Seu texto se aprimorou desde que lhe conheci, está mais
contundente e com um certo sarcasmo que lhe é peculiar mas tudo isso numa
linguagem extremamente popular, da rua, da periferia que você tem
convivido.
Apesar desse seu senso critico apurado, dessa exigência com o que escreve,
tenha certeza que sempre vai ter alguém sendo atingido e de forma definitiva.
Seu texto é fluido e como disse, o simples se mostra inteiro quando escreve e
isso faz sua poesia grande e pronta!
Resumindo, você encontrou o tempo do verbo.. e poucos conseguem.
Todo dia morre um Jesus desse nas periferias de
nossas cidades. Morre de fome, de tiro, de abandono; morre sem atendimento
médico, na fila de hospitais ou do Regulação do INSS; morre de bala perdida, de
inanição, da falha na saúde ou na educação; morre pela falta de políticas
públicas, pelo roubo do dinheiro público levado pela corrupção; morre pela
morosidade da justiça, pela injustiça, pela indigência, pela falta de terra pra
plantação; morre sem moradia, sem onde cair morto, de inanição...
Valdeck Almeida de Jesus
Salvador, 02 de junho de 2015
Vem amar Sussuarana
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
O meu bairro tem leveza
E gente bem humorada
Que acaba co’a tristeza
Tira alegria do nada
Tem poeta e poetisa
Música boa e dança
Pra ver um Novo Horizonte
Todo mundo vira onça
Tem sarau tem poesia
Poeta e poetisa
Quem mora em Sussuarana
Veste do bairro a camisa
Tem gente que acorda cedo
Pra no batente pegar
Faça sol ou faça chuva
Pra família sustentar
Quem mora na Nova ou na Velha
Tem motivo pra sorrir
Porque somos u’a família
E o amor nasceu aqui
A garotada do bairro
Não se diverte sozinha
O encontro é na mangueira
E também lá na pracinha
No sábado temos cultura
Para tudo se expressar
Cenpah Centro Cultural
Pra nossa arte mostrar
O meu bairro tem problemas
E não podemos negar
Não baixamos a cabeça
Nosso lema é superar
Se você ama justiça
Odeia gente leviana
Abrace meu povo querido
Vem amar Sussuarana
Salvador, 24 de abril de 2015
Cristiano Sousa
Gleise Sousa
Valdeck Almeida de Jesus
Vou me habituar ao que não tenho
acesso
Vou ser culpado de não poder
acessar
Vou virar justificativa para a
falta de investimento
Tanto público quanto privado em
políticas públicas culturais
O mercado vai me execrar e dizer
que sou burro
Vai me dar nota zero no exame
para validar diploma
Enfim, agora não sei a quem
apelar
Se correr, o mercado me pega, se
ficar, o Estado me come...
Salvador, 23 de abril de 2015 -
Valdeck Almeida de Jesus
Apareço porque não apareço;
Não apareço porque apareço...
(des)Regra do Manual de Redação
Jornalística.
Salvador, 04 de abril de 2015
Valdeck Almeida de Jesus
Tinha uma perda no meio do caminho
Tinha uma lerda no meio do caminho
Tinha uma cerda no meio do caminho
Tinha uma merda do meio do caminho
Valdeck Almeida de Jesus
Salvador, 04 de abril de 2015
Cheguei ao topo
Não posso mais
me misturar
com qualquer um
Não aceito convite
nem vou por aí
a qualquer encontro
a qualquer sarau
Tenho vergonha
de certos poetas
certas poetisas
que não se valorizam
e se rebaixam
por qualquer migalha
ou por necessidade
desses que se vendem
não se respeitam
nem respeitam a mim...
Cheguei ao topo
e ao mais valioso lugar
onde reino com soberania
Sou teu vício, tua vida,
Eu sou a poesia...
Salvador, 03 de março de 2015
Preconceito humano
Ainda bem que não sou negro
Ainda bem que não sou branco
Ainda bem que não sou loiro
Ainda bem que não sou índio
Ainda bem que não sou nórdico
Ainda bem que não sou asiático...
Ainda bem que não tenho raça
Ainda bem que não existo
Ainda bem que sou invisível
Porque, seja de que cor você
seja,
Seja de que classe social seja,
Seja de que altura, peso,
Onde quer que você more
Ou se esconda,
O preconceito ronda...
- Moço, me ajude, estou sendo
assaltada...
- Vai se fuder, desgraça, você é
ladrona também...
E a pessoa humana foi ultrajada,
Humilhada, porque se afastou de
outra pessoa humana,
Que vinha em sua direção, com
medo de ser roubada...
E eu tenho medo de ser humano,
E tenho medo de me tornar humano,
Demasiadamente humano,
A ponto de não ter medo de ser e
do ser humano...
Salvador, 27 de janeiro de 2015
Valdeck Almeida de Jesus
A razão é assim
Manda a gente fugir
Não procurar quem ama
Respeitar os limites
Desviar de Cabuçu
Não passear em Acupe
Esquecer o Recôncavo
E coração diz o contrário
Vai, fuça o Orkut
Procura o MSN
Manda torpedo
Tira foto escondido
E guarda num arquivo
Sonha, viaja, deseja
Mesmo que a pessoa
Não te conheça
Nem saiba de tua existência
E a cautela diz
Não apela, não se jogue
Pense melhor, ouça a razão
E você, perdido,
No turbilhão de pensamentos
Entre a loucura e a sensatez
Mergulha na poesia,
Escreve, transforma
Faz da realidade
Um outro sonho,
Que se torna
Eterno... eterno verso...
Salvador, 07 de janeiro de 2013
Homenagem ao primeiro dia
Obtuso
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
não entendo de desvios
apesar de andar fora do prumo
homem desalmado
com medo de amar
indo e vindo sem rumo
avesso a geografia e história
fugindo de cronologias
coordenadas, mapas e roteiros
vivo uma existência árida
sem tomar sol, cara pálida
até ser atropelado,
por uma data, fatídica,
uma rota, nítida:
Quadra Sete, Lote Doze,
antigo endereço
residencial,
vira depositório
dos meus ossos
em algum cemitério
de rua marginal...
Santo Amaro, 05 de julho de 2015
Livros ao sol
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Libertei uns vinte livros em
Jequié
Não sei pra onde voaram
Se serão lidos ou esquecidos
Soltei ao vento, com o desejo
de boa revoada
Soltei livros na Cidade Sol
pra enfeitarem vidas
criarem sonhos
e alimentarem ilusões...
Salvador, 19 de julho de 2015 -
Valdeck
Violência é o oposto de conhecer
a realidade de onde se vive... Grades, portões fechados, segurança armado,
medo, insegurança, perigo, desconfiança, tudo isso existe em qualquer bairro,
seja centro, área 'nobre' ou periferia. Mas que leva a fama ruim são os bairros
suburbanos, favelas, 'comunidades'. É bom que cada um circule pela cidade,
conheça, CONHEÇA, antes de falar do que não sabe e do que não viu.
Tem muita coisa boa acontecendo
pelos becos e vielas dessa cidade que não é de todos nós, mas que um dia será.
Salvador-BA, 10 de julho de 2015
"Tentando enlou-crescer,
sinto saudade das bocas que nunca beijei, cheiros e sabores que jamais
experimentei e dos amores que ainda não tive...
músicas por fazer, poemas
grávidos, sonhos que sonhei antes do meu nascimento, escolhas que não me foram
permitidas...
E a saudade está sempre a um
passo diante de mim, em todos os lugares que não pude conhecer..."
Valdeck Almeida De Jesus Lotado
Salvador, 09 de julho de 2015
Tristeza
Carência
Nostalgia
Depressão
Desamor
Introspecção
Incerteza
Demência
Letargia
Aflição
Torpor
Indecisão
Hoje tá que tá que tá que tá...
VAJ, 26.06.2015
É assim mesmo! Quem sabe um livro
comível não resolveria o problema do menino e dos doutores? E se fosse feito
com folhas de alface, melhor ainda... rs
Santo Forte
O vento sopra,
ventania, chuva de
areia...
olho pra um lado vejo
núvem,
do outro, uma sereia...
O vento sopra,
A sorte dobra,
O corpo verga,
mas não enverga...
Santo Forte...
VAJ, 03.08.2015
De vez em quando
uma bruxa malvada
abre a porta da memória
e leva o homem feito
a portais remotos
do passado distante
onde ele brinca
e chora com medo
do futuro incerto...
SSA, 07.08.2015 VAJ
Dois momentos meio chatos
pra mim, em uma viagem, partir e chegar. Prefiro ficar no meio do caminho, como
a pedra de Drummond.
Salvador, 17 de agosto
de 2015
“Million
Air”
(Homenaje a Cartagena de Indias)
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Volando solo
en un vuelo
solito
sin alas
pero con
pájaros voladores
me siento
ángel
me siento
dios
me siento
acompañado
aún sin tu
presencia
sé que estás
aqui
porque lo
siento
dentro, muy
dentro... en mi
Entonces,
desde ahora
soy un
“million air”
llevo el
oro, llevo la plata
pues tu
imagen
si colgó en
mi...
Despegando
del Aeropuerto de Cartagena, el 15 de agosto de 2015, cuando vi una tienda
nombrada “Million Air”
De Valdeck
Almeida de Jesus
Revisión:
Hallyson Stefanía
Eu sou do
Gueto, certo?
É favela, é quebrada, é viela
abandonada
Aqui tem de tudo um pouco,
alegria e sufoco
Tem pagode, tem seresta, tem
barzinho e feijoada
Tem poeta e tem louco, aqui tem
de tudo um pouco
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
Vem curtir minha favela, tudo
aqui vou te mostrar
Tem sambista, pagodeiro, tem
feirante e porteiro
tem menina na pracinha, tem coroa
na janela
venha ver que coisa bela, ser
paquerado por ela
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
Tem gente que acorda cedo, dorme
tarde e atrapalha
Tem gente que fala pouco, ou fala
que nem uma gralha
Tem mercado e academia, posto
médico e fim de linha
Tem de tudo na favela, até skate
na pracinha
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
Vem de bike, de buzu, suba escada,
desça laje
Vem de carro, vem de trem, vem a
pé e sinta a aragem
Venha aqui me conhecer, vem falar
do que ‘cê sabe
Vem comer, venha dançar, venha
ver boa visage
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
Tem ateu, tem capelão, evangélico
e cristão
Cada esquina tem uma igreja, um
pastor, um cristo, um cão
Tem terreiro, tem ateu, pagodeiro
ou largadão
A cidade mora aqui, vem conhecer,
meu irmão
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
Lugar de gente honesta,
trabalhadora e crente
Venha ver minha favela, conhecer
a nossa gente
Tem baleiro, açougueiro, vendedor
de picolé
Cobrador e jogador, baiana de
acarajé
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
O meu gueto é meu gueto, seja de
branco ou de preto
Não venha com olhar turista, vem
me ver com outra vista
Vem saber o que é sambista, vem
saber o que é um gueto
Alegria ou
tristeza, tem feiúra e beleza
O que é
certo ou errado depende de quem olhar
Chega mais,
meu camarada, vem comigo se alegrar
Salvador, 21 de agosto de 2015
Valdeck Almeida de Jesus
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula
Desabafo
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Quando a vida me sufoca
Aperta meu coração
Tento jogar para fora
Em formato de canção
Pego lápis ou caneta
E folhinha de papel
Pra mudar a minha rima
Fazer do inferno meu céu
Devagar na tentativa
Vou fazendo cada verso
O que não digo a ninguém
Com a caneta confesso
Pensamentos sufocantes
Tristeza, saudade ou dor
Troco tudo por poemas
Transformo tudo em amor
E assim eu mudo o mundo
Vou fazendo minha parte
Com certeza a vida é outra
Quando vivemos com arte
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 17 de agosto de 2015
A poesia está morta
De vergonha
Porque a rima está torta
Mas quem se importa,
Se a poesia está morta?
Camões já não se importa
E o mundo dá as cotas
Mas a poesia não está morta
A poesia vive
Nos versos e prosas
Na praça e na rua
Nos becos, favelas
A vida isso revela...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 17 de agosto de 2015
Meu grande amor
Ainda vai nascer
Não tenho pressa de amar
Prefiro me agoniar
Cada momento de tristeza
Cada desejo não correspondido
Cada choro, cada espera
Bilhete não respondido
Me incentivam a melhorar
Pra o grande amor que virá
Meu grande amor sou eu mesmo
Perdido em meus devaneios
Sonhador em noites frias
Buscando a calma manhã
Encontrar um novo dia
Me livrar da agonia
Partir pra vida de dia
Vestir a vil fantasia
Enganar essa saudade
E fingir ter alegria
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 18 de agosto de 2015
Sinceramente, pensei na vida
Querendo a tudo entender
Busquei na rua, na morte,
Na família, no lazer...
Tentei a religião,
Viagens espaciais,
Na floresta, na cidade,
Matemática, engenharia...
Só compreendi a existência
Ao mergulhar na utopia...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 18 de agosto de 2015
Nó
O nódulo que me marcou
Diferencia o meu fenótipo
É um nó que me persegue
E que é muito nocivo
Para velhos e para novos
Nós mortos e também nós vivos
Deixa a nós todos pra baixo
Mas lutarei no meu canto
No coletivo ou sozinho
Pra desatar esse nó.
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 19 de agosto de 2015
Eu pretendo
Ser plural
Plural e pleno
Eu preciso
Preciso e preciso
Com o peito pleno
Preciso ser preto
E me espremo
E fico pleno, pleno, pleno,
preto, preto, preto...
Oficina de Criação de Texto do Boca
de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 20 de agosto de 2015
Eu preciso, eu preciso
Preto, preto, pleno, precioso
Eu pretendo, eu preciso
Preto, preto, pleno, precioso
Espremo o peito, peito, peito
Espremo o pleito, pleito, pleito
O meu pleito, o meu pleito
É pleito pleno, preto, preto,
preto
Eu preciso ser plural
Eu preciso ser plural
Eu preciso ser preto, preto,
preto,
Eu preciso ser preto, preto,
preto,
Preto, preto, preto, preto...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 20 de agosto de 2015
Pleito precioso
Pleito pleno
Pleito plural
Pleito preciso
Preto preto
Pleito, precioso, pleno, plural,
preciso, preto...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 20 de agosto de 2015
Cai o adjetivo, cai o outro
adjetivo, cai o verbo
Porque o meu cantar não é mais o
mesmo de outrora
Vejo no horizonte uma nova
inspiração sumir na nuvem
Certo de que sou poeta quando
amo, mas sou mais poeta quando estou sozinho...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 20 de agosto de 2015
Preste atenção ao meu silêncio
Veja em mim o que não sou
Descubra minhas trilhas secretas
E desnude o meu sonhar
No meio do caminho tinha um
buraco
E por mais que eu tentasse
abstrair
Ele insistia, permanecia ali
Se fosse a pedra de Drummond,
Eu a quebraria, faria um desvio,
Ou fingia que era pura poesia.
Mas era um buraco, enorme,
No meio do caminho
Pensei em enchê-lo de terra,
Areia, pedra, madeira...
Não ia dar
Eu tinha pressa
E queria resolver o dilema
Que me impedia de continuar
Do outro lado podia haver
qualquer coisa
Ou coisa alguma, o nada absoluto
Mas eu queria seguir,
descobrir...
O buraco, no meio do caminho, me
impedia de prosseguir...
Parei, pensei, imaginei como
poeta e fiz de conta
Aquele buraco era só imaginação
Dei um passo à frente e percebi
O buraco estava somente em minha
cabeça
Era tudo uma grande ilusão...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 21 de agosto de 2015
Seguindo a esmo
Meu caminhar é interno
Num caminho mental,
Lá, onde ninguém entende
É onde não tenho que agradar...
Meu caminhar é intenso,
Em terreno imenso,
Deserto e árido,
Onde nem chuva nem sol
Teimam incomodar...
Arredio, ensimesmado,
Escondido, recôndito,
Onde não entro em conflito,
Não peço opinião,
Não dou bom dia,
Nem quero saber se é noite ou
dia...
Meu caminhar é na vastidão
Onde as paragens são ilimitadas
E onde a aragem me leva pra meu
eu,
Pra meu recluso,
Onde o universo me pertence,
Onde sonho e, quando acordo e
abro os olhos,
Sou dono da imensidão...
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 21 de agosto de 2015
Sorria,
Você passou no concurso
Tem emprego fixo
Já comprou a casa
E já tem um filho
Plantou tanta árvore
Publicou teus livros
E agora?
Cadê teu discurso
Cadê tua crença
Cadê tua promessa?
E agora, que já tem amor
Que pagou o carro
Que já fez viagens
O que mais fazer?
E agora, vai sonhar o quê?
Vai sair com quem?
Com quem se deitar?
E agora?
Acabou a vida?
Tua fome agora
É só de comida?
E agora, que fez cirurgia,
Curou miopia
Já cuidou da pele
Tem perfume francês
Já fala espanhol,
Aprendeu inglês,
O que falta agora?
Chegou tua hora
Você vai decidir?
E agora, amigo, vai ficar ou
subir?
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 21 de agosto de 2015
O maior inimigo
Ela nunca cometeu um pecado, um
deslize, jamais!
Sequer deixava o café pingar no
guardanapo, nunca!
Lisura, compostura, bom
comportamento,
Estas eram suas palavras
prediletas
Sair do trilho, chegar atrasada,
pecado mortal!
Descumprir um prazo, deixar
alguém esperando, nem pensar!
Era uma pessoa pontual, racional,
cumpridora de regras, cega!
Além do padrão, nem um palmo;
Além do combinado, nem um passo.
E nesse compasso, previsível,
metódico,
Justificava cada injustiça, cada
abandono, cada crueldade cometida.
Afinal, só vence na vida os
corajosos... para os fracos, a sarjeta, o escárnio!
Ela era assim! Em TUDO ela era
assim:
Com amores, com desamores, com
sonhos e planejamentos.
Tudo devia passar por um crivo,
devia ter projeto, metas, objetivos...
E depois de tudo concluído, ainda
havia mais racionalismo...
O que não podia ser executado,
era eliminado, literalmente, cortado, esquecido...
Sua pregação de libertária era,
em sumo, um engodo, um engano, uma contradição, para esconder o descaso, a
falta de compaixão.
Nesse trilho reto e sem desvio
ela seguiu.
No fim, não precisou nem de Deus
nem do Diabo pra lhe empurrar ao abismo. A profundeza de sua estupidez lhe
engoliu e lhe consumiu, sem chance de contestação.
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 22 de agosto de 2015
Remédio para morrer de tédio
Bula
1g de desatenção
3ml de ressentimento
25mg de falta de amor próprio
4 ml de essência de insensatez
300g de rancor
116ml de ácido de desatino
9g de fluído de egoísmo
600mg de extrato de descuido
pessoal
4g de sedativo de estupidez
Uso: dose única, cada vez que
alguém quiser te abraçar
Oficina de Criação de Texto do
Boca de Brasa, com Jorge Baptista Carrano, na Escola Municipal Maria Felipa, no
Cabula, 22 de agosto de 2015
Tudo o que eu digo está
autorizado para que usem contra ou a meu favor...
Só não autorizo que
"adivinhem" o que eu diria, nem que digam que eu disse sem tê-lo
feito... tampouco dei procuração ou contratei porta-voz...
Ideias e conceitos, sim, podem
dizer que defendo ou que condeno porque, QUEM ME CONHECE, saberá se a fonte é
fidedigna ou não, e vai tirar suas próprias conclusões, mas verbos, palavras,
frases, nada disso eu deixei cair pelo caminho sem minha assinatura...
É bom que saibam.
VAJ, SSA, 29 de agosto de 2015
Abrindo o
jogo
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Abri o coração e botei as cartas
na mesa
Arregacei as mangas e andei feito
barata tonta
Mas me agarrei com unhas e dentes
ao meu plano
Porque não queria comer gato por
lebre
Nem dar com o nariz na porta
Muito menos dar com os burros
n’água
Pedi a Deus que me desse uma
mãozinha
E que não me deixasse entrar numa
fria
Eu estava com a faca e o queijo
na mão
Mas ainda estava com a pulga
atrás da orelha
Pensei, pensei, fiquei com o
coração apertado
Com medo de engolir sapos
Pensei mais um pouco e resolvi
Mesmo que tivesse que dar o braço
a torcer
Eu ia continuar batendo na mesma
tecla
Só não ia ser um chato de galocha
Nem meter os pés pelas mãos
Cutuquei a onça com vara curta
E comecei a descascar o abacaxi
Quase fiquei a ver navios
Era como enxugar gelo, até fiquei
de bola murcha
E quase entro pelo cano, mas fui
enchendo linguiça
Dei a volta por cima e lavei a
roupa suja
Com medo de levar chumbo
Enchi a cara com água que
passarinho não bebe
Arregacei as mangas, fiquei
andando nas nuvens
Fui arrastando as asas
E fiz o convite para ir pra onde
Judas perdeu as botas
Chegando lá, dei uma de João sem
braço
Fiz boca de siri e tirei de
letra:
Molhei o biscoito, afoguei o
ganso,
Matei a cobra e mostrei o pau...
Salvador, 31 de agosto de 2015,
Valdeck Almeida de Jesus
Não tenho medo
Não devo nada ao Estado, ao Filho
Não devo nada ao enteado, ao
parente,
Não devo nada ao cristão, ao
crente,
Minha autoridade é minha
Meu saber é meu
Minhas conquistas são minhas
Minhas dores são minhas
Sou imbatível
Eu me importo comigo
Cada um tem que se importar
consigo
Cada um tem que lutar sua luta
Cada um conquiste sua vitória
Meu caminho é meu
Meu destino é meu
Ninguém pode me atrapalhar
Ninguém vai me derrubar
Ninguém vai me abalar
Nada vai me intimidar, acuar,
Explorar, pressionar,
desequilibrar,
Deprimir, fazer desistir...
Salvador, 04 de setembro de 2015
Salvar o
universo
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Penso na ecologia,
reciclagem
economia de sabonete,
shampoo, energia elétrica,
economia de toalha,
encanação, torneira, fiação;
Penso nas matas ciliares,
assoreamento dos rios e mares,
árvores, plantas aquáticas,
peixes, musgos, corais,
bichos diversos, animais,
oxigênio, nitrogênio,
diminuição de óxido de carbono,
homenagem aos ancestrais,
tratamento de esgotos,
preservação dos mananciais,
nascentes, poentes;
Penso salvar o planeta,
salvar a humanidade,
penso em desembocaduras,
onde tudo deságua,
por isso não tomo banho,
para não gastar a água...
Santo Amaro, 05 de setembro de
2015
Vim aqui matar meus fantasmas
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Aqueles armados de facas,
os que apedrejaram meu telhado,
todos os fantasmas ocultos,
os incapazes e os cultos,
vim espantar os que me
amedrontaram,
aqueles que me pediam dinheiro,
os fantasmas que me assaltaram,
os que tiraram meu sonho e sono,
os fantasmas que invadiram minha
casa,
os que invadiram minha família,
os fantasmas que morreram
assassinados,
aqueles que foram internados,
vim aqui espantar meus fantasmas,
que quebraram minha porta,
os que ressuscitaram minha
aflição,
os que desenterraram sensações já
mortas,
vim enfrentar os fantasmas da
rua,
da poeira, da via estreita, da
ladeira,
vim matar e enterrar meus medos,
entregar meus anéis e meus dedos.
Volto leve, sereno, confiante,
deixando aqui fantasmas e
pesadelos,
daqui me permito outra caminhada,
vou seguindo confiante...
Vitória da Conquista, 06 de
setembro de 2015
Sincronicidad
No hay coincidencia
ya he dicho la ciencia.
Si tengo venido hasta aquí
a la Playa de Marbella
y quede las dos vezes
debajo de la misma carpa
defronte al Estanco el Cabrero
no fue nada combinado
mucho menos planeado
Si no hay coincidencia
y todo fue sincronicidad
yo la creo en la ciencia
y volveré a esa ciudad
para otra vez veer el sueño
venido de Venezuela
desde el reyno de la belleza
traendo mucha felicidad
y mismo que no ocurra
un encuentro de verdad
llevo conmigo el deseo
y tambien una certeza
que el destino he hecho
de tudo una casualidad
Marbella, Cartagena de Indias, 27.08.2016, para Obed
Vou fazer faculdade de Frastronopia
tentar uma vaga para graduação
virar pelo avesso minha carreira
buscar novos rumos pro coração
farei de tudo pra ganhar dinheiro
pois a profissão é bem remunerada
depois viajarei o mundo inteiro
e voltarei com a conta zerada
1966 - 2016
Já comi toneladas de feijão
Já comi toneladas de arroz
Já comi toneladas de açúcar
Já comi toneladas de farinha
Já comi toneladas de sal
Gastei milhares de quilômetros de papel
higiênico
Gastei caminhões de sabonetes
Gastei milhares de metros de roupas
Gastei inúmeras toalhas de banho
Gastei incontáveis lençóis
Queimei toneladas de oxigênio
Joguei na atmosfera toneladas de gás
carbônico
Caguei milhares de toneladas de bosta
Mijei milhares de metros cúbicos de
lugares
Não sei como vou me acomodar
Em míseros metros cúbicos de caixão
E ínfimos sete palmos de terra...
Estacionamento para Defuntos
Na entrada, apresente seu atestado de
óbito. Caso o porteiro desconfie, fará testes para confirmar se você é presunto
ou apenas está passado. Pessoas vivas que tentarem burlar o sistema corre o
risco de ser expulsas e denunciadas por fraude.
O Brasil está estarrecido, surpreso e
perplexo!
Figurões podem ir para a prisão...
Cela especial, tratamento especial...
Direitos todos previstos em LEI...
João, negro, idade ignorada, recebeu
vinte tiros pelas costas...
Marcos, negro, 19 anos, teve cabeça
decepada...
André, negro, 18 anos, assassinado com
requinte de crueldade...
Marina, negra, menor, estuprada e morta...
Maria, negra, mãe de oito filhos,
esquartejada. Sem pista dos assassinos...
Engaveta, tudo, inquéritos,
investigações, bota uma pedra em cima...
Ah, os figurões? Vamos impedir tamanha
injustiça... Afinal, temos a lei, temos eleitos, temos espada e balança...
Amém!
Valdeck Almeida de Jesus - Salvador-BA,
07.06.2016
Triste Bahia
Na Cidade Patrimônio
Negros e Negras
tratamento desumano
no shopping é seguido
Povo de Periferia
Quilombolas em Salvador
na cidade da Bahia
paz aqui é utopia
no buzu é baculejo
tratamento desumano
e se pode pagar taxi
é pouca a melhoria
pois no meio do caminho
tu vai pra delegacia.
Na cidade Patrimônio
Gente é item de segunda
te tratam como demônio
na cidade Patrimônio
o tratamento é medonho
Justiça, pra mim, seria abrir contas em
nome de cada brasileiro e depositar R$ 1 milhão de reais. Isso, sim, seria
distribuir renda. O Brasil é multitrilionário, mas a maioria da população vive
na miséria, nas prisões, dizimada e exterminada todo dia a bala etc etc etc.
Chega de dar dinheiro a um grupinho. A riqueza tem que ser entregue aos
brasileiros. Valdeck Almeida de Jesus - 10 de julho de 2016
Afoguei-me em mim
mesmx
Eu não era mulher nem homem,
não tinha falo, nem vagina
nem sabia que havia diferença
entre amar e fazer sexo
entre ser menino ou menina
E me tornaram trans
Trans-Tornaram-Me
de anjo passei a humano
e senti falta de volúpia
E vi que meu cabelo tinha textura
e vi que minha pela era escura
e vi que meu nariz e bunda e tudo
tinham curvas e nervuras
e vi que eu era diferente
e fui chamadx de tudo
de todo nome, de mulher e de homem
e senti nojo de mim
e senti raiva de mim
e senti vergonha de mim
E me Trans-Tornei
e virei outra pessoa
e andei à toa
e não me reconheci no espelho
e odiei o que me revelava
e chorei e pranteei
e um dia as lágrimas
que antes eram de alegria
agora, de utopia
me afogaram em mim...
Salvador-BA, 23 de julho de 2016
"Meu amigo se foi, numa cerimônia
emocionante. Por alguns dias ele ficará recluso, incorporado, em outro mundo,
preparando o corpo para a nova caminhada, pois a alma já vem sendo lapidada faz
tempo; o chamado tem sido feito faz tempo... O tempo chegou e ele se deitou,
foi levado por doze pares de mãos, em meio a um batuque que alegra e que agita,
em uma dança que embala e faz dormir... A última coisa que ele me disse:
"daqui a pouco tudo termina, fique aqui, não vai agora, não"...
depois, os sons, os movimentos, o cerimonial e a entrada no roncó".
Salvador, 07 de agosto de 2016, Cajazeiras V. VAJ
"La poesía está en el pollo frito
un cuarto de pollo de arroz
e una botella de cerveza Miller lite
La poesía está en comer
en cuanto mira na tele
e oye las personas hablando de todo
sin censura ni miedo
porque la vida és así
en vivo y naturalmente
sin planes ni coordenadas
sin lengua o nacionalidad
Basta que uno tenga la contraseña
una sonrisa y hambre..."
Cartagena, 22 de agosto de 2016
Esquina Calle con Carretera
1.1 Gula
1.2 Ganância
1.3 Luxúria
1.4 Ira
1.5 Inveja
1.6 Preguiça
1.7 Orgulho
Meus Sete Pecados Capitais,
também são meus Sete Pecados Interiores, Nacionais, Estaduais, Municipais,
Internacionais...
Multiplico tudo por SETE, e por
Setenta Vezes Sete... E não me arrependo de nada...
Valdeck Almeida de Jesus, 05 de
setembro de 2016
Viver ou morrer de amor
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
"Já vivi
cinquenta anos. Metade passando fome e a outra metade tentando comer o
passado... Já morri sete vezes e já perdi pai, mãe, amigos, conhecidos, amantes,
inimigos... Já evitei sete brigas e consegui provocar a ira de sete demônios,
que me espreitam pelas sombras claras da desfaçatez... Tentei aprender sete
idiomas, mas esqueci as palavras amenas de minha própria língua... Pelas contas
do IBGE ainda tenho 15 produtivos anos, não sei... O peso nas costas, os bicos
de papagaio, a espondilartrose, as hérnias de disco, canseira mental,
esgotamento emocional e as intempéries internas minam as defesas naturais...
Uma doença incurável ou a luta pela democracia podem abreviar tudo, ou me dar
sobrevida, mesmo que em outra dimensão..." 10.09.2016
Alvejaram
um jovem negro
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Tiraram dele tudo o que podiam tirar
deram-lhe um nome qualquer, um sobrenome
qualquer
uma moradia, não, um barraco, num morro
qualquer
sem identidade, sem CPF, sem INSS, sem
alicerce
foi-se história, geografia, idioma,
bioma, antropologia
nada lhe restou, senão a mendicância
social
em distantes subúrbios, ou mesmo no
centro do caos
alijado de fé, orixás, crenças,
adolescências
tiram-lhe tudo, o sonho, o por vir, o
dejavù
Num posto desses, onde se pode comprar
chocolate
num armazém desses, onde se pode comprar
mate
um negro alvejado, amestrado pelo
Estado,
quis e consegui: alvejou outro, na flor
da idade...
Foi um segurança, não se sabe a causa,
a alegada autodefesa, já há muito
oficializada
e uma mãe, agora, sentia o cordão
umbilical,
ali, no asfalto quente, ser
violentamente cortado,
perfurado, com olhos revirados, se
despedindo,
e eu, da janela do ônibus lotado, lento,
morria junto...
E os olhos marejados daquele menino, de
quinze e poucos,
assaltaram minha mente, e não saíram
mais de mim,
e, mesmo com este poema, não consigo
mais dormir,
desde aquele dia, na Avenida Ogunjá,
quando um anjo foi A-L-V-E-J-A-D-O...
Faz um ano, ou mais, e o socorro não foi
suficiente para ele resistir aos ferimentos. No HGE, se despediu da vida...
Salvador, 12 de setembro de 2016
LIMPO SEU NOME POR 50 MIL REAIS
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Prometo que irei uma vez por ano, passar lã de aço, esfregar bastante, tirar
sujeiras, lixar, pintar, enfeitar...
Todo dia 02 de novembro estarei lá, na quadra e lote indicado, fazendo a
limpeza do teu nome na lápide...
VAJ, 04.10.2016
Sou um pecador e Deus
não vai me perdoar, mas eu não estou nem aí...
I am a sinner and God
won't forgive me, but I don't care...
You sou um pecador, y
Dios no me va a perdonar, pero no me importa...
VAJ, 30.09.2016
DEMOCRACIA
não se estabelece com Força Nacional, Forças
Armadas, Lei Anti-Terror...
1% da população detém 90% da comida, da cama, da
água, da luz, do sofá, do telefone celular... e não morre assassinada nos
guetos, quebradas e vielas... Pega visão!
VAJ 30.09.2016
Eu sou contra
assassinatos, sou contra extermínio, de culpados ou inocentes...
Mas na periferia morre
preto, pobre, branco, jovem, todo dia, alvejado por balas
"achadas"... e todo mundo sabe de onde vem os tiros... e não dá
manchete, nem comove... Isso tem que mudar. Não seremos uma nação, exterminando
sua população... VAJ, 29.09.2016
Nem a pulíSSa
nem a justiSSA deste país maravilhoso (?) costumam encontrar os verdadeiros
bandidos da naSSão, que assaltam consciências, roubam democracia, furtam
cidadania... É uma merda mesmo! Quem quiser me jogue pedra, que não estou nem
aí... mas estou tomando nojo, noooooooooooooojo de nossas instituiSSões...
O TEMER(oso)
Dança
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Dois passos à
frente
Dois passos
atrás
Cansei da dança
Não quero mais
Mudamos a meta
Mudamos a seta
Para frente,
para trás
Cansei da dança,
não quero mais...
23.09.2016
Polícia é Polícia em
qualquer lado... O Povo é que é diferente. Valdeck Almeida de Jesus
"Já vivi
cinquenta anos. Metade passando fome e a outra metade tentando comer o
passado... Já morri sete vezes e já perdi pai, mãe, amigos, conhecidos,
amantes, inimigos... Já evitei sete brigas e consegui provocar a ira de sete
demônios, que me espreitam pelas sombras claras da desfaçatez... Tentei
aprender sete idiomas, mas esqueci as palavras amenas de minha própria
língua... Pelas contas do IBGE ainda tenho 15 produtivos anos, não sei... O
peso nas costas, os bicos de papagaio, a espondilartrose, as hérnias de disco,
canseira mental, esgotamento emocional e as intempéries internas minam as
defesas naturais... Uma doença incurável ou a luta pela democracia podem
abreviar tudo, ou me dar sobrevida, mesmo que em outra dimensão..."
10.09.2016
Ele só morreu porque eu não estava lá...
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Eles saíram
em um pequeno grupo
Rapazes de 13,
15, 17 anos
Todos na
flor da idade,
Sorridentes,
alegres, brincalhões...
De
Sussuarana, de Tancredo Neves,
Do Cabula...
não se sabe
Mas eram
jovens, lindos, cheios de vitalidade...
No Centro
Administrativo da Bahia, CAB,
Entraram na
mata, para pegar uma jaca...
Um deles foi
picado, não se sabe por que...
Uma aranha,
escorpião, cobra?
Subiram de
volta, amparando o ferido...
Queixa de
dor, coceira, falta de ar...
Pedidos de
socorro, nenhum carro parou.
SÃO
BANDIDOS, SÃO GOLPISTAS, NÃO PAREM...
VOCÊS PODEM SER
ASSALTADOS, ASSASSINADOS...
São
monstros... são crianças, gente...
Falta de ar,
alergia, inchaço... ninguém parou...
Desespero,
choro, pranto, pedido de socorro, revolta...
Não deu
tempo salvar uma vida...
Eram
monstros, assassinos, ladrões, assaltantes...
E o menino
voou para o céu...
Mas ele
morreu, porque EU não estava lá...
Homenagem ao
rapaz que morreu após ser picado por algum inseto ou réptil no Centro
Administrativo da Bahia e que não foi socorrido, porque ninguém parou, com mede
que fossem ladrões, assassinos, assaltantes, monstros... Eram apenas
crianças...
Salvador, 04
de setembro de 2016
Não Houve Golpe
Houve acusação, instauração do devido Processo
Legal.
Tudo ocorreu diante de um Tribunal com Juízes,
dentro da Lei, sem nenhum deslize ou desvio dos ritos legais, com direito a
defesa e acusação, seguindo o costume e a tradição, em local público e notório,
com o povo acompanhando.
Sim, um ou outro descontente... Provada a culpa,
o veredicto final: crucificação. Há milhares de anos é assim...
Valdeck Almeida de Jesus,
29.08.16
"Arte e
Artista nem sempre se fundem, nem sempre se confundem... Falar de pintura a uma
pessoa que pinta, pode significar muitas coisas que só falar de arte... ou
não... e as sutilezas todas não são bem vindas, pois todos queremos ser sós, e
reclamar que os outros não se aproximam de quem é só... Não há espaço para
"SOIS", nem para "sóis"..., somente para sós..."
12.05.2016
Minha mãe é
trans homem, meu pai eh trans mulher, eu sou trans trans... e meus filhos são
trans-parentes... vivo num trans-atlântico, em viagens trans-nacionais... não
tenho RG, CPF, não tenho conta em banco, nem banco emoções... vou aos trancos e
barrancos virando-me em zás, fugindo da burocracia e dos controles estatais...
1966 - 2016
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Já comi toneladas de
feijão
Já comi toneladas de
arroz
Já comi toneladas de
açúcar
Já comi toneladas de
farinha
Já comi toneladas de sal
Gastei milhares de
quilômetros de papel higiênico
Gastei caminhões de
sabonetes
Gastei milhares de
metros de roupas
Gastei inúmeras toalhas
de banho
Gastei incontáveis
lençóis
Queimei toneladas de
oxigênio
Joguei na atmosfera
toneladas de gás carbônico
Caguei milhares de
toneladas de bosta
Mijei milhares de metros
cúbicos de lugares
Não sei como vou me
acomodar
Em míseros metros
cúbicos de caixão
E ínfimos sete palmos de
terra...
Aqui, bandido é o
povo... (?)
Acorda de madrugada,
pega buzu lotado, leva marmita pra comer no trampo, gasta duas/três horas no
transporte, mora em casebre, não tem plano de saúde, nunca tem tempo e/ou
energia física para se divertir em finais de semana, estuda nas piores escolas
(quando consegue), ocupa os piores cargos (quando acham), recebem os mais
baixos salários, só se aposentam depois de mortos, são acometidos das doenças
endêmicas já banidas em outros países, é a maioria absoluta nas cadeias
superlotadas, é a vítima principal e até leva bala em manifestações
democráticas e em missões policialescas nas favelas etc etc etc...
Elite que comete
atrocidade fica flanando. VAJ 05.10.2016
Faço muitos
poemas assim, com a boca, nos corpos... faço também contos, crônicas, romances,
novelas, peças de teatro, letras de música... Enfim, língua é o que não me
falta...
Ajuda, Rio, Céu...
Cachoeiras e as Heróicas pessoas que constroem a cidade a cada pulsar do
coração.
"Vende-se carro sem
entrada. De brinde, um abridor".
"Aluga-se
pessoas para vagas em apartamento de família. Pedimos referências a quem deseja
hospedar."
"Damos aulas para
quem não quer perder o medo de dirigir, com direito a um cartão-transporte para
uso em ônibus coletivo ao final do curso".
"Defensores dos miados
de gatos recorrem à suprema supremacia para registrar os sons e impedir que
outros animais imitem os felinos".
"Som de freada de
carro não pode ser usado em música, filme ou obra que gere renda, pois fere o
direito pneumático".
Ilha de Maré -
Tudo o que há de bom... água, mar, bebidas, atendimento, comida, o ar,
paisagem, pessoas... me enchem os olhos, me enchem os poros. Saio de lá pleno
de poesia...
Marquei um encontro com minha alma-gêmea (eu mesmo), e pedi caipirinha dobrada.
A figura não apareceu e eu tive que beber sozinho. Eu soube mais tarde que o
outro (EU) tinha enchido a cara num barzinho perto e, depois da farra, entrou
num túnel e foi pra Ilha de Itaparica por baixo do mar... Acabei a noitada
sozinho, tentando contato para o meu telefone, que só dava ocupado...
Uma paixão
inexplicável... pior que quando o encontro no espelho ele me critica, fala mal
do meu cabelo, da barba, das rugas, da barriga proeminente, da cegueira que se
aproxima, do piercing... Tow quase quebrando o espelho para não vê-lo mais...
Fome
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
A fome que me comia não
dá trégua
e ainda me devora as
memórias.
Mas não apaga do caminho
a rota de vozes
que me dizem de fome
me dizem de saudade e
ausências;
me dizem de memórias e
recordações;
me dizem de mortes e
poeira na estrada;
e outras vozes dizem
isso tudo
de ouvir dizer, de
leituras e releituras,
sem vivências, sem
experiências.
Enquanto isso, lágrimas
de memórias afetivas
inundam avenidas e
vielas,
confundindo os poucos
passos do paraíso
em despenhadeiro para o
inferno
Enquanto
eu dormia
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Muros foram destruídos
Outros foram reforçados
Carros bateram ou
viraram
E outros foram
construídos
Pessoas morreram
afogadas
Florestas foram
queimadas
Cirurgias não deram
certo
Balas perdidas mataram
Bancos foram arrombados
Pedestres foram
assaltados
Chefes foram demitidos
Desempregados admitidos
Bairros foram varridos
Vulcões foram ativados
Bandidos foram à prisão
Outros foram liberados
Enquanto eu dormia
tranquilo
O mundo vivia e morria
E quando me acordaram
Percebi que a vida é
bela
Pois o amor e o ódio
A raiva e a alegria
A tragédia e a comédia
Tudo faz parte da vida
Salvador-BA, 11 de
janeiro de 2016
"Cinco rapazes e duas
mulheres são visto na madrugada, na Avenida Suburbana, tentando pegar o
primeiro ônibus que os levarão ao canteiro de obras onde trabalham..."
"Pedinte estende a mão
a cada transeunte. Alguns lhe olham atravessado, outros olham para o
horizonte."
"Repositor de supermercado permanece arrumando prateleiras,
indefinidamente, sem ninguém notá-lo."
"Vendedor ambulante invade ônibus em Salvador e consegue convencer vários
passageiros a lhe entregar moedas em troca de doces".
"Grupo de poetas flagrado tentando fazer passageiros de ônibus coletivo
abrirem um sorriso no meio do trânsito caótico de Salvador-BA."
"Carregador de compras
na feira livre de um bairro de Salvador foi clicado levando mais mercadoria do
que aguentava no seu carrinho, e cobrou somente o de sempre: R$ 2,00"
"Moradora de um bairro da cidade foi flagrada pegando o último ônibus e
pagando mais caro pela passagem".
"Gari é surpreendido fazendo o seu papel
diário: limpar a sujeira que os habitantes jogam, deselegantemente, nas ruas da
cidade".
"Transeunte anônimo é visto atravessando a rua na faixa de
pedestres".
"Mãe é vista fazendo carinho em filho de colo em plena praça
pública".
"Dos bloqueios que não sabemos de onde chegam: a língua espanhola
sempre me soou estranha, difícil, incompreensível. Nunca me dei conta do por
quê da rejeição. Hoje, 23 de novembro de 2015, ouvindo Julio Iglesias na rádio
Besame, de Cali, Colômbia, acho que descobri parte dessa barreira. Quando eu
criança ainda, no meio da tragédia da fome, percevejos, piolhos, doenças
diversas, eu e meus irmãos eram sempre levados para casas de vizinhos e
conhecidos durante as internações de minha mãe. E lá, era certo ouvir Julio
Iglesias dia e noite, pois ele estava no auge do sucesso, na rádio, nos LP's
(precursores dos atuais CD')... Ainda hoje, a simples audições desse cantor me
dá uma nostalgia, uma tristeza incompreensível... Olhe o que a memória faz com
a gente.
Salvador, 23 de novembro de 2015 - Valdeck Almeida de Jesus"
Eu grito em silêncio e
Deus me ouve...
Valdeck Almeida de Jesus
21 de novembro de 2015
Nosso tempo é de
desabafo. Cada um quer falar, escrever, publicar e entrar nessa
corrida/maratona louca da divulgação (ou tentativa de), pois se todos falam,
ninguém ouve; se todos escrevem e ninguém lê, o trabalho se torna quase inócuo.
Estamos numa encruzilhada e devemos encontrar, cada um, o seu caminho, e
pararmos, em cada esquina, para a escuta necessária... andar a esmo, falando ao
vento, só dá para ouvir o próprio eco, quando muito...
Salvador,
11.10.2015
Crônicas e
artigos para livrão 2016
Cartagena e o mito da poesia
Visito a cidade de Cartagena das Índias
desde 2013, para participar do Parlamento Internacional de Escritores e acompanhar,
mais recentemente, também, o Parlamento Jovem. E durante essa minha passagem,
de uma semana por ano, vou colecionando imagens mentais, guardando cheiros na
memória, fazendo meu estudo de tudo o que vejo, revejo, experimento: sons,
língua, comida, clima, arquitetura, transporte, segurança... nas malas das
experiências, cada assunto e acontecimento vai se emaranhando, criando teias
que se combinam o recombinam, sempre, me deixando atualizado e com vontade de
manter os encontros, os desencontros. Afinal, a vida se tece assim, fio a fio,
sem cronologia ou receituário.
Em 2016 voltei a Colômbia outra vez, com
os olhos mais acostumados e os ouvidos um pouco mais apurados, tentando
aprender mais e mais. E aprendi. O Parlamento Internacional e o Parlamento Jovem,
de escritores da Colômbia e do mundo inteiro, é um lugar que transcende
fronteiras, línguas, idades e gêneros literários ou artísticos. Além de quase
uma centena de artistas da palavra, artistas plásticos, músicos e intérpretes,
acorreram à Meca da Literatura, Cartagena, pessoas de sensibilidades diversas,
cujas mentes, almas e corpos militam diuturnamente em prol das artes e dos
direitos humanos, liberdade de expressão, paz, inclusão social, respeito à
diversidade e contra todo e qualquer tipo de discriminação.
Nos dois encontros, tanto dos mais
experientes quanto dos iniciantes, cada um e cada uma das pessoas têm chances
de intercambiar, aprender, ensinar, ouvir, falar, propor, discordar, rever,
realizar, aplaudir e receber aplausos. É um verdadeiro caldeirão cultural, em
que se empenham instituições de memória, pesquisa, museus, rádios,
universidades, escolas de ensino infantil e juvenil, empresários, governos
locais, estaduais e nacional; bem como um público que também frequenta em busca
da poesia, música e das manifestações culturais gratuitas que são oferecidos.
O circuito é extenso mas não falta
fôlego para percorrer a Cidade Murada, também conhecido como Centro Antigo,
para ouvir palestras e exposições, estudos literários e apresentações diversas
no Colégio Mayor de Bolívar, Teatro Adolfo Mejía, Casa Museu Adolfo Nuñez,
Restaurante Las Indias, Plaza de Trinidad, Parque Centenário e até no próprio
Hotel Stil Cartagena, onde a trupe se hospeda, come, toma café, dorme, descansa
e também participa de encontros culturais, rodas de imprensa e de conversa,
saraus ao luar no fim da noite, trocas de cartões de visita, trocas de livros e
por aí vai.
Nominar cada evento, descrever cada
cenário e cada parlatório e/ou recital, realmente seria um prazer imenso, mas
tomaria folhas e mais folhas, que nem assim daria a verdadeira dimensão e
profundidade do que ocorre nos quatros dias do parlamento. São tantas emoções,
lágrimas de alegria e de felicidade, apertos de mão, abraços; cada surpresa e
cada aperto no peito quando lembramos que a hora de ir embora se aproxima. E
eu, que me sinto um estrangeiro, porque, na verdade, sou, que não domino o
idioma, e que estranho certos sabores e cheiros, vou me apaixonando cada vez
mais e diminuindo a fronteira entre Bahia e Cartagena, entre o Brasil e a
Colômbia. E dessa vez ouvi, antes de começar a apresentação e leitura de poemas
do meu livro “Ruta 66: amores y dolores de un poeta”, de viva voz, do
Presidente do Parlamento, que “Valdeck Almeida de Jesus é quase um filho nosso,
do parlamento”. Aí, sim, me emocionei mais ainda e fiquei lisonjeado com toda a
acolhida que sempre recebi, o respeito e o carinho que Joce Daniels e a equipe
do parlamento tem me dispensado. Delfin Tejada fez uma entrevista comigo,
ao vivo, para seu programa de rádio. Um dia antes, eu e Jorge Balesteros
Montenegro e Fernando Chelle havíamos percorrido duas escolas de Cartagena,
guiado por Gonzalo Alvarino, onde lemos poemas, falamos da nossa paixão pela
literatura, como começamos e os caminhos que precisam ser seguidos por quem
desejar escrever. Falamos de amor.
E amor e carinho o parlamento inteiro
tem para com dada um dos visitantes. Tanto os mais conhecidos e famosos, quanto
os iniciantes, recebem a mesma atenção e espaço para expor suas ideias, e ouvidos
atentos prestam atenção às falas, exposições, leituras. Cartagena é assim, uma
Cidade Poesia, que não precisa nem de sal, tempero, cheiros, nem de praia, nem
de transporte, nem de arquitetura, nem de nada para existir, pois a maior
riqueza e expressão da cidade é o espírito da poesia que circula por cada rua,
praça, esquina... Ali, se respira e se inspira, a inspiração brota aos
borbotões, a musa maior é a própria arte da palavra, que se mescla a tudo o
mais e domina elegante e majestosa.
A pior parte de Cartagena é a partida...
Na hora de ir embora o coração aperta, os olhos marejam, o corpo sua e a
saudade aperta tudo, fazendo a gente se sentir, realmente, um estrangeiro, que
não tem outra escolha senão voltar a sua terra, mesmo a contragosto. Mas creio
que até isso o tempo vai ser generoso comigo, pois pretendo voltar muitas
vezes, viver e, quem sabe, morrer em Cartagena!
Tenho medo de chamar amigos para eventos, debates:
Sobre empoderamento de negros e negras, porque eles
dizem que não são negros e jamais farão parte das estatísticas de 80 em cada
100 mortos pela polícia; que não precisam de cotas nem reparação porque sempre
foram privilegiados pelo sistema...
Sobre políticas públicas para LGBTIs, porque eles
dizem que são heterossexuais e jamais serão assassinados por ódio, nem estarão
nas listas dos estados campões em extermínio, nem precisam afirmar ou reafirmar
a sexualidade nem pedir respeito, pois sempre foram maioria e não precisam
respeitar minorias nem ser incluídos em programas de proteção... E, pasmem, que
eles são imunes a doenças sexualmente transmissíveis, pois o sexo para
procriação é abençoado pelo abençoador deles...
Sobre religiões de matriz africana, porque eles se
acham os escolhidos pelo supremo e que todas as demais crenças são inferiores,
que os templos e igrejas deles não são apedrejadas nem destruídas, que o estado
laico enxerga só um lado: o deles, e que eles não precisam respeitar nada nem
ninguém que não esteja com o nome escrito no livro da vida (deles)...
Sobre proteção à infância e juventude, pois eles
dizem que já passaram da idade de risco e que não terão filhos e filhas
correndo risco, pois o dinheiro e a educação que eles têm são suficiente para
se blindarem, e que os seus descendentes não sofrerão mais nem menos com
redução da maioridade penal, pois os deles não são discriminados nem excluídos
nem encarcerados (ops, conduzidos a instituições educadoras), nem estão entre
os mortos e feridos todos os finais de semana, nem passam fome, nem etc...
Sobre políticas para idosos, pois eles não ficarão
idosos, nem dependentes, nem doentes, pois possuem o gene Botox que renova
corpo e alma e os tornam imunes aos efeitos do tempo...
Sobre direito dos povos indígenas, pois eles são
descendentes de europeus e não precisam da terra nem de nada que dela vem, pois
comem manjares dos deuses e que respiram ares de outros mundos...
Sobre quilombolas, pois eles nem entendem como
pessoas podem viver em respeito mútuo, cuidando uns dos outros, em harmonia com
natureza e essas coisas fora de moda...
Sobre educação, saúde, segurança e direito de ir e
vir, pois eles têm planos de saúde, estudam em escolas particulares e podem
entrar e sair de onde quiserem, sem nenhum problema...
Para outros e outros encontros e eventos, pois eles
têm medo de sair do condomínio, do conforto do ar condicionado, de entrar em
ruas estreitas, de pegar ônibus, andar na realidade etc...
Assim fica difícil... Ainda bem que eles são
minoria e se fecham em guetos-apartamentos, enquanto o povo está construindo e
vivendo a vida...
Cartagena, 23 de agosto de 2016
Curta a viagem curta
Eu tinha somente uma bala na agulha, como
dizem quando você está somente com uma única chance de acertar. E era
exatamente isso, um dia de folga para resolver tudo sobre uma viagem ao
exterior, adquirir passagens, reservas de hotel, confirmação da programação
cultural, marcação das férias que garantiriam a saída do país por longo tempo
e, o principal: o visto de entrada nessa época em que cada vacilo na resposta
pode significar uma grande falsidade que geraria desconfiança e negativa de
entrada em outra nação.
A pesquisa foi feita e entre Brasília,
Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, a última foi escolhida para dar
entrada na papelada. Antes, porém, foi marcada viagem de três dias e, depois,
remarcada para dois, com o devido pagamento da multa por mudança nas datas.
Após dias e horas preenchendo a solicitação de visto no site oficial, em
inglês, conferências intermináveis para evitar erros, assinou digitalmente e enviou.
Só depois percebeu que teriam que ser DOIS encontros ao invés de um, em dias
diferentes, para evitar o risco de não conseguir fazer tudo num único encontro.
Mudou os horários das entrevistas para arriscar na sorte. Ligou para o
consulado e afirmaram que seria possível obter tudo nos horários previamente
agendados. Menos mal.
Pois bem, tudo resolvido, viagem marcada para
Recife na quinta-feira às 17horas, depois de dar expediente o dia inteiro e
sair um pouco mais cedo para evitar surpresas no trânsito. Carro abastecido no
dia anterior, malas prontas e uma pasta com todas as provas documentais de tudo
que seria alegado para conseguir autorização pra viajar: certidões de
nascimento, casamento, trabalho, procurações, contrato de viagem com datas de
ida e volta e hospedagem, passagens, reserva de dinheiro para gastar na
estadia, passaportes antigos e o novo, lista de lugares visitados nas excursões
ao exterior, comprovantes de renda, escritura de casa etc. Até a aparência foi
retocada, roupas social, barba aparada e cabelo solto encaracolado ao vento. O
medo era o cabelo. E se fosse confundido com algum dos diversos preconceitos e
discriminações que são jogados na cara todos os dias?
Partida do aeroporto de Salvador na hora
certa, voo com escala em Brasília e chegada a Recife sete horas depois. O
taxista se assustou com o nome do “hotel” e sugeriu que não se hospedasse lá,
pois se tratava de um motel disfarçado onde todo mundo entrava e saía sem
qualquer controle, correndo-se riscos diversos e, além disso, não era permitido
sair e deixar bagagem e retornar mais tarde. Ou seja, ali não era possível se
hospedar como uma pessoa comum. Então, foi feita uma verdadeira maratona em
busca de vaga nos hotéis dos arredores, todos lotados, à exceção do Aquamar, na
orla da Boa Viagem. Acolhedor, ar condicionado, televisão a cabo, internet
wi-fi, café da manhã espetacular, vista maravilhosa para o mar, outro mar de
prédios se descortinando para onde se mirasse.
O taxista, muito gentil e precavido, após
extrapolar em muitos quilômetros a corrida pré-paga, ainda se preocupou marcar
horário para pegar o desavisado às seis horas da manhã, e pedir ao
recepcionista que acordasse o hóspede vinte minutos antes, para evitar atrasos.
Chegada à porta do consulado em primeiro lugar, encabeçou a fila, todo feliz,
com a pasta de milhares de documentos embaixo do braço, crente e abafando que
não faltava nada. E não faltava mesmo. Na hora de ser atendido, após deixar o
celular no taxi e se submeter a rigorosa revista com detector de metais, foi
dispensado para refazer o pedido, pois uma data estava preenchida errada. Aí
desabou em desânimo, pois estava, literalmente, no mato sem cachorro. Onde iria
conseguir uma lan house aberta para acessar, corrigir a informação e imprimir
tudo a tempo de retornar e ser atendido? A sorte era o taxista que conhecia um
lugar que estaria aberto àquela hora, antes das oito da manhã. Mas a moça que
vendia café em frente ao consulado também já era esperta o suficiente para
notar quando alguém saía cabisbaixo e perguntou o que tinha acontecido. Indicou
imediatamente um estacionamento nas imediações, onde tudo poderia ser
resolvido.
Ali o nosso protagonista conheceu um jovem
paulista que tocava numa banda de pagode chamada Grupo Poesia Popular e que
estava fazendo sucesso, inclusive havia tocado em Salvador, Itabuna, Vitória da
Conquista e outras cidades baianas mas que, por desentendimento com o
vocalista, que achava que não precisava mais ensaiar, o grupo se desfez e ele,
agora, estava há um mês em Recife, recomeçando a vida com outra atividade. A
internet oscilava, ia e voltava, o site lento e o jovem viajante de tão nervoso
esqueceu a senha e qualquer informação que pudesse dar acesso às informações.
Mas, salvo pelo gongo, encontrou tudo impresso em sua pasta de milhares de
papeis. Quase meia hora depois, voltou todo feliz com tudo resolvido e entrou
novamente na fila para colher digitais e ser fotografado. Todos os cuidados e
toda a preocupação com a cabeleira ruiu quando o atendente pediu gentilmente
para colocar o cabelo atrás da orelha na hora de ser fotografado. Dali partiu a
mil para a entrevista do outro lado da cidade, com o taxista Barros, que tinha
virado a noite dirigindo para a Coopseta, com ponto no Aeroporto Internacional.
Barros precisava passar o veículo para o próximo motorista que lhe ia render no
serviço, mas estava ali, ainda, mesmo atrasando o seu lado, servindo com toda a
delicadeza do mundo, ao nosso protagonista. Ao deixá-lo no lugar da entrevista,
precisou ir embora todo sorridente. Então, após deixar celular e sombrinha num
guarda volume, entrou, foi novamente revistado e até precisou usar o colírio
para provar que se tratava, apenas, de um remédio para os olhos. Alguns minutos
depois, algumas breves perguntas, sem precisar mostrar qualquer documento, teve
o visto aprovado.
Assim, então, terminou sua jornada. Dali,
aeroporto, almoço e janta tudo junto no meio da tarde, mais espera por voo e
conexão, chegando são e salvo em sua casa umas dez horas depois
Meu marido é um garoto de programa
Existem coisas na vida da gente que o
silêncio toma conta. Mas nada adianta, pois o mundo gira, as pessoas se
encontram, ligam pontos e fazem a imagem que desejam. Às vezes conseguem chegar
perto do real, outras vezes apenas criam histórias imaginárias. Reais ou não,
algumas dessas criações se tornam verdadeiras à medida que passam de boca em
boca, crescem, envolvem terceiros, vêm a público ou, simplesmente, existem
somente nas rodas de fofoqueiros.
Ele, meu marido, é, literalmente, um garoto
de programa. Eu já estou perto dos sessenta, enquanto ele nem aos trinta chegou
ainda. São muitas diferenças culturais, sociais, raciais, históricas, de
gostos, desejos, mas em uma coisa a gente combina muito bem. Ambos adoramos
sexo, carinho, confidências, segredinhos de um casal. Quase compartilhamos as
mesmas memórias, claro, com a devida diferença de que ele era apenas um bebê
durante muitas das experiências que vivi, ou nem era nascido ainda. Mas a
cronologia nem sempre é tão radical.
O ciúme, meu, no início, era das muitas
noites que ele passava fora, trabalhando, duro, com mulheres, homens,
transexuais... Eu imaginava as posições, fantasias eróticas, histórias que ele
ouvia ou contava, se ele incorporava ou não uma personagem na hora de fazer
feliz a cada cliente. Na minha vez, eu sentia vergonha de pedir pra ser uma
cliente, de passar as mesmas mirabolantes estripulias que ele, provavelmente,
passava nos diversos quartos de hotel e motel da cidade.
O ciúme e a vergonha foram tomando a forma
de fantasias, e eu passei a viver noites inesquecíveis com ele, sem,
necessariamente, dizer-lhe que eu estava tentando ser todos e todas que ele
conhecera nas noitadas. Eu fui gostando e sentindo prazer naquele jogo. E
virei, também, uma garota, quer dizer, uma senhora de programa, procurando por
jovens insaciáveis pelas redes sociais, nos anúncios de jornais e, até mesmo,
nas noites em bares e boates da cidade.
Ele não precisava saber que eu me vingava de
cada uma e de cada um. E, assim, matei minha sede de sexo, a curiosidade que
tinha de sair com estranhos, de dormir com homens e mulheres, em casal ou em
trio. E esta aventura acentuou o amor que eu tinha pelo meu marido-garoto.
Descobri que o amor não tem fronteira nem se estabelece numa certidão de
casamento, tampouco se desfaz quando o divórcio é o único caminho para evitar
desgaste emocional. Contei tudo pra ele, que já sabia, pois alguns dos meus
clientes também já haviam saído com ele. Hoje somos uma empresa de garotos e
garotas de programas e somos felizes assim..
Abrindo uma agência para bandidagem
Parece que escolhi o caminho errado há
cinquenta anos. Primeiro, nasci numa família fudida, que não tinha herenças,
não era envolvida com falcatruas, ladroagem, lavagem de dinheiro, prostituição,
tráfico de drogas, grilagem de terras, pistolagem, milícias oficiais e
clandestinas, exploração sexual de pessoas de todos os gêneros-idades-classes
sociais, não tive coragem de enveredar pelo caminho do tráfico de
armas-drogas-órgão humanos, enfim. Já comecei errado, num país que preza pelo
cumprimento da lei (sic).
Vi todos os meus amigos ficarem ricos, abrir
empresas e filiais de lavanderias, fazer acordos de delação premiada e passarem
o resto dos seus dias confinados em mansões com piscina e todo tipo de conforto
que pode levá-los ao inferno quando chegarem 'do outro lado', segundo os
capítulos e versículos... Vi amigos meus viajarem para países que jamais
imaginei existir, trazerem toneladas de cocaína pura, armas de todos os
calibres, blindarem seus carros de luxo, ficarem pra cima e pra baixo com
helicópteros, sem se preocuparem com o gasto das viagens... Vi meus amigos
abrirem aeroportos oficiais em suas fazendas particulares, outros abrirem
rodovias passando por suas propriedades, outros comprando estradas para cobrar
pedágio, outros comprando aeroportos, portos, bancos, juízes, advodados,
tribunais...
Vi amigos meus sendo eleitos para representar
o capeta no Congresso Nacional dos Inomináveis... Vi amigos meus com um livrão
de leis embaixo do braço, fazendo pouco caso do que seja democracia, cidadania,
respeito aos direitos humanos... Vi amigos meus desmoralizando e desrespeitando
gays, lésbicas, transexuais, travestis, xis, zês, ypyslones... Vi amigos meus
estampando manchetes de revistas nacionais, ocuparem espaços nobres nas maiores
redes de comunicação, comprarem rádios, jornais e televisões... Vi amigos meus
debocharem dos trabalhadores, negros, quilombolas, religiões de matriz
africana, portadores de necessidades especiais, esfomeados, nordestinos,
nortistas, caiçaras, caçadores, pescadores, carregadores de feira, pedreiros,
domésticas, babás, desempregados...
Vi amigos meus chamando aposentados de
vagabundos, professores de pilantras, defensores dos direitos humanos de
bandidos... Vi amigos meus se dando bem na vida, gastando quinhentos mil reais
em compras durante viagem a Paris... Vi amigos meus comendo a merenda das
crianças, entregando o patrimônio público a empresas multinacionais... Vi
amigos meus defendendo a quebra dos direitos adquiridos e sendo aplaudidos por
corjas de sabidos dos tribunais superiores... Vi tudo isso e olhei para mim:
lascado, fudido, sonhando com o paraíso após a morte... E lembrei que tenho
direito a matar alguém, desde que não tenha cometido crime algum antes, a não
ser o crime de ser analfabeto, obediente a Deus, cidadão que acredita nas leis,
na democracia, na justiça e na redenção...
Resolvi abrir uma biqueira, colocar uma banca
de jogo do bicho ou vender meu voto por um carotinho de pinga, uma dentadura
nova, um corte de cabelo, um abraço com cheiro de perfume francês ou uma guia
para ser atendido no SUS... Ou isso, ou aquilo. Talvez abrir uma agência pra
bandidagem dê mais resultado. Afinal, tenho tantos amigos para serem
inscritos...
Valdeck Almeida de Jesus, Salvador-BA, 01 de
setembro de 2016
Concurso Público para pedir
demissão
Abertas inscrições para servidores públicos das
esferas municipal, estadual e federal para pedir demissão de seus
cargos/funções comissionados e/ou empregos públicos. Quem tirar melhor nota tem
direito a ir para o olho da rua sem direito a nada.
A previsão é de que todos serão demitidos com ou
sem justa causa. A disputa está acirrada e já se ouve rumores de que haverá
combinação nas respostas para que haja empate geral. Nesse caso os critérios
para desempate serão:
a) mais velhos
b) mais tempo de serviço público
c) maior número de filhos e/ou dependentes
registrados
d) maior salário
Os primeiros colocados poderão sair sem olhar
para trás. Poderão, ainda, escolher se jogar da Pedra da Gávea, no Rio de
Janeiro, com uma asa delta remendada e sem instrutor acompanhando.
Os demais, terão a chance de escolher a igreja
em cuja porta irão sentar e esperar por ajuda divina
Todos os demitidos ficarão a ver navios, nas
cidades litorâneas onde haja porto. Nas cidades do interior esta regalia será
substituída por uma caminhada rumo ao maior cemitério municipal a fim de
escolher a quadra e o lote de sua moradia. Somente os que se recusarem a partir
desta para uma melhor receberão um caixão individual e personalizado. Para os
demais, haverá caixões compartilhados e reutilizáveis.
Aqueles cujos dependentes sejam menores ou
maiores, com problema de saúde ou portadores de saúde perfeita, nada
acrescentarão aos seus currículos. Mas quem for solteiro(a) e/ou não tiver
parente nem aderente, terão a mesma má sorte.
Ficam revogadas as disposições em contrário e a
favor.
Não há terrorismo no Brasil
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Somos um país "cordial", como disse o manipulador
Somos um país de paz, de filhos sem pais e sem mães
Temos a Lei Kandir que entrega nossas riquezas de bandeja a estrangeiros
E nem recebemos espelhos e bugingangas em troca
Não há terrorismo no Brasil
Não há, também, tsunami, terremoto, furacão...
Não há terrorismo no Brasil
Somente assassinatos de 80% da juventude negra e favelada
Não há terrorismo no Brasil
Somente genocídio de índios, sem-terras, quilombolas e ciganos
Não há terrorismo no Brasil
Somente se queima índios, mendigos e moradores de rua
Não há terrorismo no Brasil
Somente helicópteros lotados de cocaína, maconha e falta de vergonha
Não há terrorismo no Brasil
Somente incêndios criminosos de matas, favelas, becos e vielas
Não há terrorismo no Brasil
Somente uma cultura do estupro que envergonha nossa nação
Não há terrorismo no Brasil
Somente aborto cladestino que vitima nossas mulheres
Não há terrorismo no Brasil
Somente crimes de ódio contra gays, lésbicas, travestis e transsexuais
Não há terrorismo no Brasil
Somente concentração da renda nas mãos dos herdeiros da nação
Não há terrismo no Brasil
Somente terras devolutas, latifundios improdutivos e exploração de
trabalhadores
Não há terrorismo no Brasil
Somente desrespeitos aos mais básicos direitos humanos universais
Não há terrorismo no Brasil
Somente fome, indústria da seca, doenças endémicas e desrespeito ao meio
ambiente
Não há terrorismo no Brasil
Somente entregamos nossas riquezas a quem quiser, a preço de banana
Não há terrorismo no Brasil
Somente leis que criminaliza a luta social e amordaça a quem disser o
contrário...
Salvador, 05 de agosto de 2016
Triste Bahia Triste
(Larissa e Eduardo, Cida e Willian)
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
Na Cidade Patrimônio
na cidade ou no estado
se é Negro e se é Negra
nada é considerado
tratamento desumano
vai no shopping é seguido
vai na praia, vai na feira,
vai na Barra ou Ribeira
povo sempre perseguido
Povo de Periferia
Quilombolas em Salvador
na cidade da Bahia
paz aqui é utopia
no buzu é baculejo
tratamento desumano
e se pode pagar táxi
é pouca a melhoria
pois no meio do caminho
tu vai pra delegacia.
Na cidade Patrimônio
Gente é item de segunda
te tratam como demônio
na cidade Patrimônio
o tratamento é medonho
Salvador, 07 de julho de 2016
Mulher Sapiens
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Não era Hetero Sapiens
Nem Bi Sapiens
Nem Macho Sapiens
Era HOMO Sapiens
Valdeck A. Jesus, 19.06.2016
O Brasil não sofreu golpe
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Aqui é um país de paz
Aqui não tem violência policial
Negros e negras são respeitados
Não existe racismo
As mulheres são respeitadas
Não há feminicídio
Não há genocídio da juventude negra periférica
Não há crime de ódio contra LGBTs
Crianças têm infância maravilhosa
Ninguém passa fome
Desigualdade social é um mito
Não existem guetos, favelas nem comunidades
Infraestrutura básica existe em todo canto
Os esgotos são tratados
As águas não são poluídas
Todos têm acesso às artes
A democracia reina plenamente
Não há concentração de renda
Banqueiros não lucram sem limites
A Nação não paga juro sobre juro aos bancos
O país não entrega a banqueiros mais da metade do PIB
O salário mínimo cobre todas as necessidades básicas
O trabalho infantil foi erradicado
Não há trabalho escravo
Os salários não são aviltantes
O tráfico de drogas foi controlado
Usuário de drogas é tratado como dependente
Grandes traficantes são julgados e condenados
Os criminosos presos não mandam de dentro das prisões
Não há políticos envolvidos com o crime organizado
As mulheres negras não estão encarceradas
A população carcerária não é negra nem pobre
Criminosos de colarinho branco não existem
Brancos criminosos são maioria nas prisões
Gravidez na adolescência é inexistente
Não há corrupção na política
Eleitos representam o povo com dignidade
A cultura recebe financiamento justo
Não falta educação de ótima qualidade
Os hospitais atendem bem
A homofobia foi erradicada
O povo negro não é maioria nas prisões
Há respeito às religiões de matriz africana
Povos de terreiros são protegidos
Quilombolas vivem em paz
Indígenas têm muitas terras para viver
O meio ambiente está preservado
Não há devastação de florestas
Não há lixões nas cidades
Poluição é algo inexistente
Não há doenças endêmicas
Não existe problema de desemprego
O transporte coletivo é maravilhoso
Não há diferença de salário entre homem e mulher
Os meios de comunicação não estão nas mãos da minoria
A democratização da mídia foi realizada
Há transparência na gestão pública e nos impostos
A justiça funciona igual para poderosos e para o povo.
...
Infelizmente este é o país do livro e do papel, pois o país de verdade é bem
diferente...
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 30/05/2016
Alterado em 30/05/2016
Vida blas-fêmea
Minha vida é uma blas-fêmea
procuro na sarjeta:
rostos, sentimentos, pernas,
olhos, dentes, mãos, corações,
sorrisos e sentimentos;
procuro amor nas esquinas,
no meio dos cachorros,
como uma cadela no cio;
o corpo que encontro
é um frankenstein, híbrido,
que me traz mais beligerância
e menos tolerância...
na internet o corpo tinha calor
no abraço ao vivo havia um muro
rígido e gelado entre mim e ele,
igual ao corpo desovado
na ladeira de Santa Tereza...
Salvador, 09 de maio de 2016
Pomba Preta da Paz
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Chega de luz no fim do túnel;
É tempo de enegrecer, escurecer,
todos os túneis, ruas, praças;
tudo virar noite, trevas, sombras...
É tempo de ocupar esquinas, labirintos da Terra,
as profundezas abissais,
empretecer cada canto, cada recanto;
É hora de ocupar o que é de direito,
repartir a renda nacional,
estar em todos os continentes,
rios, riachos e afluentes...
É tempo de reciclar,
passar tudo pelo Buraco Negro,
filtrar o mundo e o universo,
fazer outra prosa e outro verso...
A coisa tem que ficar preta
e quanto mais preta, melhor;
se empretecer, vai melhorar...
Mentes e consciências
o Câmbio Negro vai cambiar
e a cor negra vai imperar...
Será um novo mundo,
com Magia Negra
e todos terão orgulho
de ser mais uma Ovelha Negra
participar do Mercado Negro
e entrar na Lista Negra
pois tudo vai enegrecer...
É hora de substituir a Pomba Branca
pela verdadeira Pomba Preta da Paz...
Na Ilha de Maré
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
O negão não vende bronzeador,
comercializa Sundown...
O nego que fura buraco
para o sombreiro,
usa camisa “20 – Müller”,
não fala alemão;
O sorvete Kybon concorre
abertamente, com queijo coalho,
assado na brasa;
E a Igreja Missionária
Brasa Divina,
é propaganda na camisa
de quem vende cerveja...
Na minha Ilha de Maré,
o tempo não passou,
negros servem brancos...
Ilha de Maré, domingo de carnaval, 07 de fevereiro de 2016
Saudade de meus irmãos
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Eu não queria ser turista
numa terra que me germinou;
não queria ser discriminado
por causa de minha cor.
A mesma batida que te arrepia
transpassa meu corpo,
vira meu santo,
me leva a reinos
de onde negreiras travessias me retirou...
Não queria ser apartado,
Relacionado, discriminado,
Separado, do meu banzo,
desejo profundo, saudade,
do meu mundo...
do meu universo interior...
Ilha de Maré, domingo de carnaval, 07 de fevereiro de 2016
Fome de
Democracia
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Nasci na fome de democracia:
Enquanto meu estômago roncava,
fuzis também roncavam ceifando vidas.
Fruto da desigualdade social,
meu alento era a esperança,
o sonho da felicidade na eterna eternidade...
Mãe paraplégica, pai trabalhador braçal,
não tive casa, como abrigo, mas tive mais que isso:
o amor maternal.
Pais analfabetos, com eles aprendi:
mais importante que as letras é o afeto.
Tive irmãos abortados ou perdidos,
mas sobraram mais sete, oito comigo.
A boca da fome me comia todo dia,
levando pra longe a gana de vida
e esperança que viraram utopia.
Brinquedo e comida, eu achava no lixo,
roupa, livros, sonhos, eu achava no lixo.
E pra não ser prolixo, paro por aqui.
Mas não posso parar de enumerar
os eternos tormentos que senti.
Pra festinha de aniversário nunca fui convidado.
Afinal, quem queria na sua casa um menino
esfomeado, magro, buchudo, mal vestido,
desnutrido, perebento e favelado?
Novela, desenho animado e Sítio do Pica Pau Amarelo,
tudo isso pode ser singular,
pra quem não precisa se pendurar na janela do vizinho,
com os pezinhos balançando e sem chinelo.
Roupa de aniversário? Como, se minha mãe
pedia esmola e não ganhava salário?
Água encanada e luz elétrica era luxo pra poucos.
Em minha casa o luxo era quando havia café da manhã
e um osso para o almoço.
Natal e Ano Novo eram datas esperadas, pois era o tempo de fartura,
enquanto poucos se locupletavam no mercado da usura.
Mas nada disso me dói mais. Não superei,
mas deixei adormecido.
O que me machuca hoje e provoca o pranto,
angústia e no peito uma dor,
é ser igualado com os herdeiros da opulência, com aqueles que enriqueceram
explorando o nosso povo e a nossa consciência.
Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2015
Acampamento do Emergências
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de
Jesus em 16/12/2015
Mártires
cariocas
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Cinco pares de olhos
que me imploram por dizer,
comentar o que passou,
dizer que não foram culpados,
mas vítimas de erro policial,
de racismo do Estado...
Cinco pares de ouvidos
que me imploram para ouvir
de mim e de todos nós
um grito de basta!
Basta de domínio do povo negro por uma casta;
São cinco corações parados
cujas batidas reprimidas
denunciam as ações
de um Estado genocida!
São cinco mentes aquietadas
me pedindo pra pensar,
lembrar que também sou potencial
que a qualquer momento serei
a próxima vítima fatal
de extermínio seletivo
patrocinado pelo Estado
enquanto ficarmos calados.
São cinco rostos sem sorrir,
cinco feições sem chorar,
sensações que foram freadas,
de jovens que sonhavam, que vibravam,
que apenas comemoravam
a sorte do primeiro emprego,
mas foram exterminados
como outros em muitas quebradas,
mortos na guerra civil,
cujas “balas perdidas escolhem pretos e matam”...
São cinco sonhos, cinco destinos,
todos ceifados por um louco desatino,
que me pedem pra não chorar,
mas que divulgue seus desejos de meninos,
de amar, formar família, dançar felizes, brincar de anjos...
São cinco, somados aos mais de mil e tantos que se foram,
que imploram pra não serem esquecidos,
não se tornarem apenas números em relatórios,
não querem choros nos seus velórios,
pedem justiça, que o braço policialesco seja logo desarmado;
pedem paz, pedem aos que ficam que velem, de verdade,
por outros meninos e meninas,
que não se permita que sejam assassinados!
Pelos cinco jovens mortos pela polícia carioca: Roberto de Souza, 16 anos, Carlos
Eduardo da Silva Souza, 16, Cleiton Corrêa de Souza, 18, Wesley Castro, 20, e
Wilton Esteves Domingos Junior, 20.
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de
Jesus em 01/12/2015
Alterado em 01/12/2015
Acabou-se o
que era doce
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Da ganância de alguns
Muitos foram para o além
Destruíram vilarejos
Acabaram com o vicejo
De pequenos guaiamuns
Afundaram muitos sonhos
Fizeram de pacatos vales
Pesadelos dos medonhos
Aterraram fantasias
Atropelaram casebres
Fizeram das belas minas
Cortejo lento e fúnebre
De roldão o Espírito Santo
Deu passagem aos metais
Arrastando para os mares
Memórias de ancestrais
A ganância levou tudo
Atolou pra sempre a vida
E deixou só cicatrizes
Pra quem seguiu em sua lida...
Salvador-BA, 16 de novembro de 2015
Empoderamento
é dentro
Nunca vai ser suficiente para os outros. É estranho, grande, pequeno, largo,
gordo, estreito, desproporcional, desigual.
Você vai pro cirurgião, implanta pedaços de carne e osso, se transfigura, vira
outro...
E não agrada a ninguém; cada um encontra mais um defeito, uma falha, um
problema.
Outras transformações, lapidações, tentativas.
Volta ao espelho e não se reconhece.
E descobre que, enquanto não agradar a si mesmo, nada será perfeito.
No fim, uma bela lápide de mármore encobrirá todas as podridões, de quem fez de
conta e de quem tentou fazer de conta.
Salvador-BA, 30.10.2015
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de
Jesus em 30/10/2015
Orgulho de
ser branco
Enquanto houver diferença
por causa de cor, sexo,
gênero, classe social e crença;
Enquanto houver menor salário
por conta de cor, sexo,
gênero, classe social;
Enquanto houver apartheid,
discriminação, preconceito
e violência policial;
Enquanto houver racismo,
desrespeito e elevador social;
Enquanto houver diferença
por conta do lugar de nascença,
e isso for considerado normal;
Enquanto eu não puder escolher
a roupa, corte de cabelo,
e ter que me enquadrar em um modelo;
Enquanto não houver respeito
e cada um ter o mesmo direito...
digo, digo outra vez e vou ser muito franco:
num país racista, separatista,
não dá para ter orgulho de ser branco.
Boca de Brasa, Colégio Edgar Santos, Garcia, Salvador-BA, 13 de outubro de 2015
Câmara de
Gás
Casal heterossexual ri do gay afeminado;
Homem heterossexual ri do gay afeminado;
Mulher heterossexual ri do gay afeminado;
Mulher branca gay ri do gay afeminado;
Homem branco gay ri do gay afeminado;
Mulher negra heterossexual ri do gay afeminado;
Homem negro heterossexual ri do gay afeminado;
Mulher negra gay machuda ri do gay afeminado;
Homem negro gay machudo ri do gay afeminado;
Gay machudo ri da(o) transexual;
Gay afeminado ri da(o) transexual;
Cigano heterossexual ri do gay afeminado;
Cigano gay ri do gay afeminado;
Judeu heterossexual ri do gay afeminado
Todos riem da travesti;
Todos riem dos gays, lésbicas, transexuais, transgêneros, bissexuais,
intersexuais, travestis, transformistas...
Todos caminham para a câmara de gás...
Agora é hora de ri de mais alguém...
Salvador, 01 de outubro de 2015
Cedo, cedo.
Não cedo, não cedo.
Eu quero ver(rugas)... Não quero
ficar cego
Seja qual for o suporte, somos
indivíduos e olhamos para o próprio umbigo. O tempo muda, os umbigos continuam
no meio da
barriga...
Terror e Terrorismo:
(Publicado no livro Trilhos de
minha trilha – 2017)
1) Genocídio do Povo Negro
2) Feminicídio
3) Holocaustos
4) Invasão e massacre em países
5) Apoiar militarização do mundo
6) Concentrar renda mundial em
cinco pessoas
7) Destruir meio ambiente
8) Intolerância religiosa
9) Crimes de ódio a LGBTs
10) Racismo
11) Não combater esses crimes
12) Não necessariamente nessa
mesma ordem
Salvador, 31.01.2017 VAJ
Reticências
de vida
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
andar na rua
o olhar julgador
ouvidos acusadores
risos sarcásticos
automático 'bom dia'
acenos obscenos
a muleta que não apoia
o tic tac do trabalho
as taxas por carinho
o mar que não me navega
os caminhos que me apedrejam
o medo que me faz rir
o sexo flácido
o restante de vida
as ausências todas
e os silêncios que me habitam…
Salvador-BA, 15.02.1966
Hoje
falei com uma poesia
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Era uma poesia sem pé nem cabeça,
mas tinha coração e ouvido,
sorvia o ar da minha respiração,
absorvia o vento nas folhagens,
o farfalhar no pé de jaca,
os gorjeios de pássaros invisíveis...
Era uma poesia sem pé nem cabeça,
mas sonhava com dias melhores,
diminuía minhas saudades e dores,
enchia de cores minhas retinas,
fazia-me eriçar pelos ares...
Hoje falei com uma poesia,
e a poesia falou comigo,
falei horas e fui bom testigo
de que não preciso de mais nada
apenas de uma fantasia, um vento,
um ouvido e olhos atentos,
aproveitar fugaz momento,
guardar na memória afetiva,
cada rima e verso dessa poesia: você!
07.01.2016, 12:30h - Rodoviária - Metrô – Casa
Arranquei
todos os dentes
(Publicado no livro Trilhos de minha trilha – 2017)
Isso mesmo, fiquei desdentado,
afinal, não preciso de incisivos
se não tenho o que morder...
Olhos vazados, finjo não ver;
ouvidos estourados, mouco,
faço de conta que sou louco...
Minha língua, incompreendida,
arranquei, engoli, calei...
das coisas que sonhava,
esqueci, apaguei...
sem pátria, sou um pária,
igual aos cidadãos de minha área...
comovo-me com formigas,
chacinas, não me sangram,
sou laico, nada me insemina...
canibal de ideais,
assassino de horizontes,
desfazedor de utopias,
destruidor de poesias...
esse sou eu, imaculado,
imaterial, serial-killer de futuros...
Soberba e arrogância me montam,
cavalgam minhas ancas, me defloram,
expandem minha falta de memória;
assim, revivo o impossível,
realizo sangrias em veias imaginárias,
deturpo meu caráter, sublimo zerésimas,
e, lúcido, sigo destinos vários,
encruzas infinitésimas...
Salvador, 08.01.2017
Caixa DOIS: vou matar uma pessoa hoje
E todo mundo já sabe quem vai morrer...
Hoje, eu mato, amanhã, farei uma proposta:
Matar uma pessoa, seja qual for o motivo, não será mais crime.
Mas só valerá para mim, e só se eu matar quem todos querem que morra (risos).
Depois do assassinato premeditado, planejado, sem motivos, com crueldade, irei
esconder o corpo na Caixa Dois, em local onde todo mundo possa ver, descobrir,
e provar que fui eu o assassino.
Amanhã, a proposta de anistia desse crime será aprovada e eu, como todos os 200
milhões de cúmplices, serei absolvido.
Caixa Dois, Caixa Dois, Caixa Dois.
Valdeck Almeida de Jesus, 14 de março de 2017, Dia da Poesia
Estou fudido. E isso é positivo.
Sexo não é pecado, sexo é
expressão da natureza.
Sexo é desejo, é procriação, é
prazer, é desejo pelo diferente, é desejo pelo igual.
Sexo é hetero
Sexo é homo
Sexo é trans
Sexo é assexual.
Estou fudido, e todos deveriam
sorrir por isso.
Estamos fudidos, e os aplausos
são merecidos.
Sexo é vida, sexo é amor, sexo e
tesão, sexo é putaria, é emoção.
Sexo "está em tudo
nas máquinas que colhem os
grãos...;
sexo é tech, sexo é pop, sexo é
tudo..."
Tudo vem do sexo...
Sexo está no outdoor, no jornal,
na internet, na cama, no mato, na moita, no mar, na floresta, na televisão...
Valdeck A. Jesus, 12.03.2017
Direita, Volver!
Para mim alguns projetos estapafúrdios do (des)Governo Temer não passam de
"moeda de troca", terrorismo, senha, palavra-chave, passe, para
deputados e senadores envolvidos no que já se sabe...
Negociar o apoio ou se opor a estas "reformas", pode significar uma
barganha com eleitores, com justiça etc, a fim de livrar a cara de muita gente.
Quem está roendo o osso não vai querer deixar... O xadrez (jogo) está na mesa.
O Mercado está no comando:
Plano de Previdência Privada para complementar aposentadoria;
Plano de Saúde "Popular", substituindo o SUS;
Mais entrega do patrimônio público às Teles;
Entrega de mais estradas, portos, aeroportos...
Valdeck, 09.03.2017
O ovo de marca
o ovo sem marca
o ovo miúdo
o ovo graúdo
o ovo do mercado
o ovo do supermercado
o ovo da vendinha
o ovo do carro do ovo
todo ovo, seja velho
todo ovo, seja novo
pequeno, grande
ovo pintado
ovo riscado
ovo rosa ou ovo azul
cada um saiu
de dentro da galinha
rosa ou azul
o ovo saiu
de dentro do...
Valdeck, 09.03.2017
Cansei de comer comida podre
Passei metade de minha vida
fuçando lixo
catando verduras na feira
sem moraria nem local fixo
vivendo sem eira nem beira...
Esgoto de hospital
lixeira da prefeitura
batendo de porta em porta
uma vida de tortura
o corpo se acostumando
carne podre e tudo mais
estômago de avestruz
mas isso fico pra trás...
Hoje comi manteiga
e depois quase que morro
dor de cabeça e tontura
nem pude pedir socorro...
Morrer é fácil e indolor
foi rápida a reação
só não fui porque Exu
segurou na minha mão...
Hoje, 05.03.2017, após tomar café
e usar manteiga no pão, comecei com tontura, dor de cabeça muito forte,
sensação de desmaio, pressão baixa... não conseguia vomitar por causa da
gordura da manteiga, passei mal o dia inteiro, mas escapei. Dormi o dia
inteiro, e sonhei com minha mãe fazendo comprar em um mercadinho... Minha mãe
faleceu em 2000.
O Brasil é
um País Laico
Ponto Turístico Internacional:
Cristo Redentor
Municípios: 5.561
572 cidades com nomes de: Santo
Antônio, Santo Inácio, Santa Gertrudes, São Mateus, Santa Maria, São José, DOM,
Padre, Messias, Papa, Canaã, Cruz, Paraíso, Macedônia, Capela, Messias,
Milagres, Belém etc. Noooooooooooossa Senhora...
Estados com nomes de “Santos”:
Espírito Santo, Santa Catarina, São Paulo...
Capitais idem: Salvador, São
Luís, São Paulo, Belém, Natal...
Tem cidades com nomes indígenas,
sim... muitas, talvez a maioria.
Mas TODAS têm um/a padroeiro/a.
Cada um dos 27 estados também. E a nação tem dois: Nossa Senhora Aparecida e
São Pedro de Alcântara.
E alguns feriados nacionais:
Natal, Senhora Aparecida, Semana Santa, Páscoa, Paixão de Cristo, Corpus
Christi, Finados, Todos os Santos.
Na prática cada município tem um
Dia Santo próprio, mesmo que não seja feriado, ou seja, 5.561 Dias “Laicos”
E as outras religiões? E as
religiões de matriz africana? Hummm...
Valdeck, 04.03.2017
Velório Antecipado
Deus trabalhou seis dias e descansou no sétimo
Quem trabalha Deus ajuda
Deus ajuda a quem cedo madruga
Os pobres irão para o céu
O inferno é para os ricos (?)
Levante disposto com o pé direito
(Estão de fora os/as cacnhotos/as)
Estude, estude, estude
Trabalha, trabalhe, trabalhe
Preferência: estude e trabalhe
De dia e de noite
Fim de semana? Estude mais
Perca feriados, batizados, aniversários
Exclua tudo e todos que te desviem
Pule de galho em galho ou se firme em um
Preferência: algo repetivivo como a vida
Vista-se de morto a cada manhã
Marche tua timidez de casa ao trampo
Sente, ligue computador e repita o ontem
Converse com antas, mulas, cavalos e que tais
Volte morto pra casa e renove as energias
Amanhã é outro dia: se lasque de novo...
Valdeck, 02 de março de 2017
Café com Aranha
Lave bem o bule
Lave e enxágue o coador
Coloque o coador sobre o bule
Deixe exposto sobre a pia
Passe o carnaval fora de casa
Volte sem vontade de recomeçar
Vai comendo tudo que sobrou
Retome a rotina aos poucos
Faça o café como sempre fez
Coloque açúcar a gosto
Coe e beba com vontade
No fim do dia lave o coador
Se ver uma aranha, finja que não viu
Valdeck - 02 de março de 2017
Quando eu era criança eu chupava
apolo todo dia...
Cresci, me mudei pra Salvador, e,
agora, quando sinto vontade de chupar apolo, tenho que ir a Jequié...
Valdeck, 28.02.2017
Nosso Governo
Sucateia Segurança Pública e
vende Vigilância Privada
Sucateia Saúde e vende Planos
particulares
Sucateia Educação e financia
universidade empresarial
Sucateia Fontes de água e
privatiza empresas de saneamento
Sucateia Poços de petróleo e
compra combustível do exterior
Sucateia Aposentadoria e vende
Previdência Complementar
Valdeck, 28.02.2017
Droga que mata:
A fome mata
O descaso mata
A polícia mata
O Estado mata
O transporte ruim mata
A escola péssima mata
O hospital horrível mata
A política sectária mata
O remédio em falta mata
A concentração de renda mata
O racismo mata
A intolerância religiosa mata
A homofobia mata
A transfobia mata
O machismo mata
A xenofobia mata
O capitalismo mata
camarão-camarim
fazer uma pós paga ou uma pré
paga
“O capitalismo remove montanhas”
Incesto no Título
Pai Soberano (Rei)
Resolve passar a coroa
Para o filho
18.02.2017
Nova doença: velhose
Minha religião é poesia
Meu vício é poesia
Minha vida é poesia
Esperança tem cor de alegria
Sorriso tem cor de poesia
Todos ao meu redor ficaram loucos. Eu sou imune
Ou isso, ou a Quilos. Sinto falta de carinho e sexo. Recebo rejeição e
chantagem. Pago por meia hora e tenho tudo. Quando não tenho dinheiro uso as
mãos que me exploram sem recriminações, não me recusam nem me rejeitam.
Da cor do Sudão
cheirava como cedro
olhos brilhantes como petróleo
e me perdi no seu breu
Pra comprar a primeira casa ou apartamento, o primeiro documento exigido
é o comprovante de residência
Ele é um pai que voa, vira leoa
Vende a perda por 500 mil
mas se submete a 50 mil da sentença
daquele juiz vil
que na mazela do outro viu
uma forma de se manter
"dentre outros mil"
maneja bem a palavra
implora amor na sarjeta
é mordido de cachorro louco
não se importa nem um pouco
Poema 28 de abril de 2016
Não dá pra flutuar nos poemas de Lívia Natália. Nas correntezas, por
mais que o leitor precavido se segure, acaba levando um caldo, rodopiando e
afunda. Gosto de ter cautela junto ao mar que, mesmo aparentemente sereno, tem
momentos de explosões e pode afogar e o mais desavisado dos nadadores. Nadar em
águas de poesia não é fácil, tem que ser com braçadas medidas, respiração
compassada, movimentos cautelosos, pois o mar-poesia engana, entorpece,
anestesia; ao menor descuido, embriaga e arrasta consigo para o fundo
.